CONEXÃO URBANA

Dia do Magistério vivo: aprender, ensinar e inspirar gerações

François Ramos e Leilane Vieto
François Ramos & Leilane Vieto
Publicado em 15/10/2025 às 11:03Atualizado em 15/10/2025 às 11:16
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Dia dos professores: uma data para reconhecer o valor dos jardineiros da cidadania em tempos de tempestade
Peço licença à minha companheira de coluna, a jornalista Leilane Vieto, para hoje redigir a Conexão Urbana! com maior pessoalidade. Hoje é para mim um repleto de significados e valor simbólico: o Dia dos Professores. A data consta no calendário e nas redes sociais já se podem identificar algumas postagens afetivas lhes rendendo homenagens. Entretanto, o sentimento que predomina não é o de festa.

(Imagem Ilustrativa: Leilane Vieto)

(Imagem Ilustrativa: Leilane Vieto)

Dedicação que recebe em troca o desrespeito?
As manchetes nos assombram: relatos de agressões físicas e psicológicas contra esses profissionais, perpetradas por pais, alunos, dirigentes e, de forma talvez mais cruel, pela omissão das autoridades públicas. Vive-se um tempo difícil para ser mestre, um período que exige verdadeiro esforço social lembrar o que eles verdadeiramente representam. Por isso, neste dia 15 de outubro de 2025, convido você a se refugiar comigo na memória, esse território intacto onde a gratidão ainda resiste, e revisitar aqueles que não apenas nos ensinaram lições, mas plantaram humanidade em nossa alma.

Uma história comum, porém fértil
Minha jornada estudantil se desenvolveu em três solos férteis: a E.E. Lauro Fontoura (Fabrício), a E.E. Gabriel Totti (Tutunas) e, sobretudo, a E.E. Frei Leopoldo de Castelnuovo, no Santa Marta. Cada uma, à sua maneira, foi o berço do que hoje sou. Foram espaços que valorizaram minha história, despertaram o senso de protagonismo e me ensinaram que é possível não gostar do presente sem perder a esperança no futuro. Nessas escolas compreendi que as adversidades e as dores que enfrentamos não determinam quem seremos, mas integram o processo que nos molda. Foi ali, entre quadros de giz e vozes que acreditavam, que aprendi que educar é, antes de tudo, cultivar, e que cada lição recebida continua germinando em silêncio dentro de nós.

O tempo não define o aprendizado
No Gabriel Totti, um breve intervalo de apenas seis meses na oitava série foi suficiente para me apresentar às educadoras Iná e Ani (in memoriam), irmãs gêmeas que se tornaram meu primeiro exercício prático de observação jornalística. No início, uma confusão deliciosa: qual é qual? Assim como os outros alunos, eu também me perdia na semelhança entre as duas. Mas o convívio, ainda que curto, bastou para revelar o que o olhar distraído não percebia: a personalidade singular de cada uma. Porém, acima de qualquer traço individual, havia uma semelhança que se impunha e iluminava o ambiente: o amor profundo pela educação e a preocupação genuína com o futuro e o presente de seus alunos. Era um cuidado que transcendia o conteúdo: era um olhar sensível para as pessoas que estávamos nos tornando.

A história exige voltar para o início dos anos 1980
Para prosseguir esta saudosa reflexão preciso recorrer ao seu início. O coração da minha história bate mais forte quando passo na frente do Frei Leopoldo. Foi lá que, aos sete anos, vivi minha primeira grande “paixão”. Não por uma coleguinha de classe, mas pela professora. Dona Valéria era jovem, bonita e brava (muito brava), mas com uma atenção e carinho que fazia cada letra, cada sílaba, parecer uma descoberta monumental. Ela colheu o plantio delicado que a professora Iracema, uma alma genuinamente gentil, havia começado a semear em mim na curta passagem pelo Lauro Fontoura, onde minha alfabetização foi iniciada.

Cultivando raízes para colher futuros
As professoras Sueli e Márcia Aparecida foram minhas guias pelos labirintos da Língua Portuguesa. Lembro-me não apenas dos ditados e dos cadernos repletos de exercícios que forjaram os primeiros calos nos dedos, mas também das redações que pavimentaram o caminho do jornalista que eu ainda não sabia que seria. Foram muitos os professores que deixaram marcas em um saber que então começava a criar raízes. Entre eles, guardo com especial ternura a lembrança da professora Sandra, cuja partida precoce trouxe um silêncio denso aos corredores da escola e revelou, pela ausência, a dimensão do que ela representava. Foi uma dor compartilhada, mas também uma lição: a de que a vida, tão breve, se eterniza nas sementes que cada educador planta em seus alunos.

Dona Edna Idaló: quando ensinar é um ato de amor
Como recordar minha trajetória escolar sem reverenciar Dona Edna Idaló? Educadora rara, de amor transbordante, foi minha mestra nas 3ª e 4ª séries. Anos depois, já como diretora, precisou administrar com sabedoria as inquietações do adolescente de vocação política que eu me tornava — aquele que militava nas agremiações estudantis e, mais tarde, estaria à frente do Movimento Estudantil Força Jovem, responsável, nos anos 1990, por mobilizações junto à Câmara Municipal em defesa da meia-entrada nos cinemas de Uberaba (ainda que a legislação estadual tenha se antecipado).

A educadora que deu a escolha de um futuro melhor
Essa mulher extraordinária chamada Edna Idaló, que ajudou a formar milhares de cidadãos plenos, foi uma verdadeira mãe para muitos de nós que passamos pelo Frei Leopoldo. Tenho profundo orgulho de, hoje, poder chamá-la de amiga. Impossível não lhe reservar um lugar especial em minhas orações, pois reconheço em sua trajetória, além da dedicação e do carinho que sempre me endereçou, um exemplo de compromisso, humanidade e vocação pública. Mais do que uma professora, foi alguém que me ensinou a enxergar o potencial que havia em mim e a cultivá-lo com coragem, transformando possibilidades em caminhos e sonhos em futuro.

Rebelde sem causa
A cena é viva na memória: eu, adolescente, desafiando a “ditadura do uniforme” com uma camisa vermelha de manga comprida, quase provocando um infarto na Dona Mércia. A bronca da Dona Vanda vinha na sequência, claro que seguida de um olhar da Edna que misturava reprovação e um fundo de afeto. Esse trio de gestão não apenas coibia a minha rebeldia, mas a canalizava para a verdadeira capacidade de atuar na representação estudantil, uma arte que só os grandes mestres dominam.

Em exatas...a força para enfrentar os problemas e acertar no cálculo
Na Matemática, tive o privilégio de aprender com as professoras Maria Divina e Lourdes. Dona Lourdes, com sua “paciência” não exatamente infinita e a convicção de que a tabuada era patrimônio essencial da humanidade, conseguiu transformar o desafio dos números em pura poesia. Sua promessa pedagógica era simples e eficaz: “Só sai da biblioteca quando aprender tudo.” O resultado? Em quatro horas, tornei-me um verdadeiro “catedrático do básico”.

Da Matemática não fui amigo, mas nela encontrei um
Mais adiante, vieram as expressões algébricas do professor João Wilson (in memoriam), um terreno bem mais árido. No entanto, as lições que ele deixou ultrapassaram o quadro-negro e as certezas calculadas: “A paixão é passageira e pode nos enganar, mas o amor é permanente e nos fortalece.” Tenho certeza de que agora, nos quadros da contabilidade divina, ele segue ajudando Deus a calcular e a semear bons sentimentos em corações espalhados por aí.

Quanta saudade e gratidão no DNA
Também no Frei Leopoldo, o professor Ítalo (in memoriam) transformava as aulas de Biologia em verdadeiras lições sobre a vida. Ao falar de genética, não se limitava a cromossomos — tratava do próprio código que sustenta a existência. Fiel defensor das vacinas e de sua importância para o futuro da humanidade, via na ciência um ato de amor e de responsabilidade com o próximo, enquanto alertava para os “dias sombrios” que chegariam se essa verdade um dia fosse banalizada ou distorcida. Um grande homem, cuja semeadura de conhecimento continua germinando em cada aluno que aprendeu com ele a valorizar a vida em todas as suas formas.

Amadurecendo com a tabela periódica
No Colegial, a Química do professor Sílvio (in memoriam) era um paradoxo delicioso. Homem de fé, ele me repreendia pelos meus discos de heavy metal — “coisa do diabo!”, dizia entre sorrisos e resmungos. Essa parte da lição, confesso, não pegou: até hoje ouço Kiss (Knights in Satan’s Service, segundo ele), Iron Maiden, Ratos de Porão e companhia, sempre com um sorriso lembrando de suas broncas carinhosas. Ele costumava dizer que a vida, como uma reação química, é feita de combinações inesperadas, mas que, entre ácidos e bases, fórmulas e paradoxos, há uma certeza que permanece inabalável: Deus sempre age como um catalisador, dando segurança aos experimentos e guiando o nosso caminho.

Caminhos da inércia e da transformação
O querido professor Barbosa, de Física, tinha uma sabedoria prática: de nada adianta decorar fórmulas se você não souber aplicá-las. Lembro-me da prova em que, pela primeira vez na vida, desesperado, junto com mais dois colegas em situação semelhante, colei as fórmulas em uma pilastra. Ele passou, olhou para o nosso “gabinete de cola”, para as provas e depois para nossos rostos perdidos, soltando aquela risadinha inconfundível. Acabei levando um “dois” redondo, mas ele nunca duvidou de que eu conseguiria me reerguer. Obrigado, mestre, por acreditar em mim quando eu mesmo já tinha desistido de aprender as leis da cinemática.

São tantos os mestres que contribuíram para a minha evolução...
As professoras Maria Nunes e Maria Abadia me ensinaram que respeito e disciplina são o solo firme onde os sonhos crescem. Já as professoras Célia e Diná (Gabriel Totti), Irma, Dalma e Margareth, me lembravam da importância de olhar para dentro: reconhecer qualidades, corrigir defeitos, mas nunca, jamais, parar de sonhar. “Sonhar é o alimento do espírito”, dizia a mestra de filosofia, a Dona Dirce.

Entre a quadra e as descobertas
Eu sempre gostei de futebol, vôlei, basquete e handebol, mas, apesar do esforço dos professores, não era dos melhores atletas. Por isso, vivia inventando contusões para escapar das quadras. Mesmo assim, guardo com carinho as aulas de Educação Física dos professores Eurípedes e Vagner. Confesso que, na verdade, boa parte do tempo eu aproveitava para paquerar as meninas. Talvez, lá no fundo, já intuísse que o amor também é um exercício essencial na vida.

O despertar para o Magistério
A professora Sandra Gabriel me mostrou a verdadeira essência do Magistério. Com ela aprendi que existem dois tipos de pessoas: aquelas que trabalham com o que não amam, passando o tempo culpando os outros, e aquelas que amam o que fazem, transformando o trabalho em alegria. Tendo passado pelas mesmas mãos de mestres que marcaram minha formação, ela também é fruto do esforço e da dedicação desses profissionais. Ver sua paixão pelo ensino, dando continuidade a um grande legado, despertou em mim o desejo de, um dia, também ser professor.

Legado que transforma vidas
Hoje, em minha própria sala de aula, compreendo plenamente o exemplo da Sandrinha: cada encontro com meus alunos é um dia de aprendizado divertido, um reflexo vivo do legado que ela me deixou. Sou grato também a todos os professores, nominados e não nominados, que marcaram minha formação, e aos mestres das faculdades de Jornalismo, Direito, Pedagogia e História, cujo conhecimento e dedicação foram fundamentais para minha trajetória. Cada um deles, incluindo os que me acompanharam no Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado, à sua maneira, contribuiu para que eu entendesse que ensinar é, antes de tudo, transformar vidas.

Fica aqui o meu reconhecimento
Em um presente onde a dignidade da profissão é tantas vezes aviltada, lembrar de vocês, mestres queridos, é um ato de resistência. Vocês que compartilharam não apenas o saber, mas a vida, preparando aquele menino do Tutunas, sem grandes aspirações, para o mundo. Se hoje, em meio às complexidades de um mundo inerte a tantas notícias amargas, a saudade ainda consegue florescer, materializa-se a mais pura prova de que o legado de vocês é indestrutível. Contemplem a certeza de que, apesar de tudo, a semente do bem que plantaram valeu cada momento, cada lição, cada sorriso.

Frase
“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”. (Paulo Freire)

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