CONEXÃO URBANA

Por que seis deputados que disseram "não" à agilidade no SUS?

François Ramos e Leilane Vieto
François Ramos & Leilane Vieto
Publicado em 29/09/2025 às 08:22
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O voto em contraluz: por que parlamentares traem quem os elegem?
A coluna de hoje traz uma configuração diferente. Em vez de múltiplos temas, nos concentramos em um único assunto que exige reflexão mais profunda: a votação da Medida Provisória (MP) 1.301/2025, que criou o programa “Agora Tem Especialistas”. Um episódio aparentemente consensual, mas que revela fissuras no sistema representativo brasileiro e demonstra os danos impostos ao interesse público pela polarização em um contexto de partidarismo cego e alienado.

(Imagem ilustrativa: Leilane Vieto)

A aprovação histórica da MP 1.301/2025 e o consenso raro
Na Câmara dos Deputados, o placar foi de 403 votos a favor contra apenas 6 contrários. No Senado, a aprovação foi unânime. A MP lançada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva promete reduzir as filas do Sistema Único de Saúde (SUS) em consultas, exames e cirurgias. Trata-se de um grande avanço e representa um marco da história do sistema público de saúde e, ao menos em tese, de um raro momento de convergência política.

Quando a cega obediência revela a tragédia da representação política
Entre os seis votos contrários na Câmara esteve o mineiro Dr. Frederico (PRD) e um bloco de parlamentares do PL, legenda onde o bolsonarismo concentra sua força. A dissidência de nomes como Bia Kicis (DF), Carlos Jordy (RJ), Luiz Philippe de Orleans e Bragança (SP), Mario Frias (SP) e Tiririca (SP) repercutiu mal. No caso deste último, a contradição é ainda mais gritante: eleito pela simpatia popular conquistada em sua trajetória circense e pelo discurso de proximidade com “o povo”, acabou rejeitando uma política de saúde que atenderia justamente sua base, composta por significativa parcela de cidadãos em situação de vulnerabilidade. O “palhaço”, neste contexto, deixa de provocar riso para simbolizar a tragédia de uma representação que se distancia de quem a legitima.

Disciplina partidária: a linha da bancada acima do eleitor
Uma das chaves para compreender o voto contrário a uma medida que claramente atende ao interesse público é a disciplina de bancada. Temos acompanhado reiterados exemplos de Deputados seguem, quase mecanicamente, a orientação partidária, ainda que isso signifique trair expectativas da própria base eleitoral. Nesse processo, a representação perde substância e o voto se transforma em ato burocrático, distante da realidade do eleitor. No caso da MP 1.301, apenas seis parlamentares resistiram ao consenso, revelando não firmeza de convicções, mas a submissão cega a ideologias e estratégias políticas que se sobrepõem ao bem comum.

O cálculo perverso: agradar tribos, esquecer o coletivo
Outro fator que ajuda a explicar a desconexão entre representantes e representados é o cálculo político. Em um país marcado pela polarização, torna-se mais rentável agradar a uma fração radicalizada do que dialogar com o conjunto da sociedade. O voto, assim, deixa de expressar responsabilidade pública e se converte em senha de pertencimento a uma tribo ideológica. O bem coletivo é sacrificado em nome da coesão com um grupo restrito como se observa, por exemplo, na chamada “PEC da Blindagem”, aprovada na Câmara por 344 votos a 133, que buscava ampliar a proteção de parlamentares contra investigações. A reação popular obrigou muitos deputados a se desculpar, e o Senado sepultou a proposta. Um exemplo cristalino de como esse modelo egocentrista pode se impor ao interesse público, até ser freada pela sociedade.

Interesse público versus interesses particulares: a renúncia velada
A rejeição de seis deputados federais à MP do “Agora Tem Especialistas” simboliza a renúncia ao interesse público, entendido como o compromisso com o bem-estar coletivo. Ao priorizar agendas partidárias ou ideológicas, o parlamentar abandona a essência da função legislativa: representar a sociedade. Recusar agilidade no atendimento médico para milhões em troca de alinhamento político é mais do que uma contradição, é um gesto de desprezo ao eleitor, um ato que dilacera a confiança depositada nas urnas.

Descrédito democrático: quando até o consenso gera desconfiança
O primeiro impacto de votos contrários a uma medida de interesse coletivo é simbólico. O eleitor olha para o placar e se pergunta: se até propostas consensuais enfrentam resistência sem explicação plausível, como confiar no sistema? Essa dúvida alimenta a máxima corrosiva de que “todos os políticos são iguais”, fragilizando a legitimidade democrática. O segundo impacto é estrutural, pois ao rejeitar políticas sociais, ainda que minoritariamente, parte do Congresso reforça a lógica da polarização. A política deixa de ser debate sobre projetos nacionais e se transforma em guerra de identidades, na qual derrotar o adversário importa mais do que garantir benefícios concretos à população.

A contraluz do voto: ponte que se converte em barreira
O voto deveria ser a ponte entre sociedade e Estado. Mas, em casos assim, transforma-se em barreira. O eleitor percebe que seu representante não necessariamente defenderá seus interesses em Brasília, mesmo em pautas de interesse coletivo quase unânime. Essa contraluz mina a confiança cívica. Essa dissonância entre eleitor e eleito alimenta a chamada “crise de representatividade”. O voto passa a ser um ato formal, sem reflexo concreto no Congresso. A sensação de que o cidadão participa apenas de um ritual vazio aumenta, afastando-o da política institucional.

Democracia delegativa: quando o eleito age como soberano
A teoria da “democracia delegativa”, de Guillermo O’Donnell, ajuda a entender a realidade identificada no contexto da polarização: o eleito age como se tivesse carta branca, e não como mandatário de uma coletividade. O representante se autonomiza da base e governa como soberano. A lógica do contrato entre eleitor e eleito se desfaz. Essa erosão da legitimidade tem consequências perigosas. Quando o povo não se sente representado, cresce a tentação de buscar atalhos autoritários ou soluções mágicas. O descrédito na política institucional abre espaço para populismos que corroem ainda mais a democracia.

A urgência de representantes com raízes locais e vigilância crítica contínua
Em 2026, Uberaba precisa de uma estratégia combativa para a falta de representatividade, o que exige, entre outros fatores, eleger representantes com raízes locais profundas, sujeitos à cobrança direta no cotidiano. Essa proximidade geográfica é estratégica, não provinciana. Ela torna o político mais acessível e sujeito a prestação de contas. Mas isso só funciona com vigilância cívica permanente pela sociedade organizada e imprensa local, transformando o voto quadrienal em um cheque com fundos supervisionados diariamente.

Empoderamento final: da representação à fiscalização permanente
Não se pode ter dúvidas quanto ao fato de que o poder reside no eleitor. Porém, se faz necessário que ele passe de espectador a fiscal ativo dos mandatários. A resposta à crise não é menos democracia, como tentaram fazer o povo crer, mas participação cívica ampliada e cobrança constante. A verdadeira força popular manifesta-se no voto, mas também no grito que exige lealdade e eficiência aos desígnios do interesse público, capaz de lembrar aos representantes que são servidores, não soberanos, da plateia que os sustenta.

Frase
“Não há nada de errado com aqueles que não gostam de política, simplesmente serão governados por aqueles que gostam". (Platão)

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