A SOCIEDADE DOS POETAS “BOLA MURCHA”
François Ramos-Redator Interino
Às vezes me pergunto o que está acontecendo com a humanidade. Quanto mais pessoas eu conheço, mais eu tenho certeza de que valores como ética, moral, justiça e solidariedade estão sendo gradativamente substituídos na vida moderna por uma linguagem universal: o dinheiro.
Amparadas em um discurso de que o único sinônimo de ser feliz é comprar, as pessoas estão perdendo referências como o amor e amizade verdadeiros. Estes, sim, indispensáveis para nos trazer alegria. É deles que tiramos força para enfrentar as adversidades da vida e comemorar nossas conquistas.
Ao conversar com os mais jovens sobre a importância da família e do respeito pelas pessoas que amamos, da necessidade de valorizarmos quem somos e as nossas raízes, percebo que meu discurso está ficando piegas e ultrapassado para o que as gerações que sucederam à minha aprenderam com a vida em sociedade. Parece que não é mais preciso viver, apenas sobreviver.
A harmonia e o bem-estar comum deram lugar a um eterno discurso de competição e egoísmo. Alunos disputam a posição de “melhor da turma” apenas pelo desfrute de ser o primeiro em um ranking numérico obtido mediante exames que não provam nada a respeito de quem somos. Aprendem desde cedo a não ajudar o colega em dificuldade, mas a empurrá-lo se estiver na beira de um abismo, afinal será um concorrente a menos.
No ambiente de trabalho a mesma dinâmica da sala de aula se repete. Os “colegas” se enfrentam o tempo todo e jamais ficam felizes com o sucesso do outro, apenas o invejam e consideram um absurdo suas conquistas. Lutar para crescer e alcançar suas próprias vitórias, ninguém parece querer, apenas criticar o semelhante e tentar a todo custo “puxar seu tapete”.
Um comportamento não só estimulado por “chefes” que desconhecem o verdadeiro significado da palavra liderança, mas também presente em suas atitudes. A melhor maneira de manter o emprego nesta sociedade de poetas “bola murcha” parece ser matar definitivamente a sua criatividade e proatividade, pois, destacar-se pode ser entendido como ameaça pelo superior. Seu trabalho pode fazer uma sombra indesejada.
O discurso, porém, é diferente do que ocorre na prática. A cada reunião emergem falácias sobre comprometimento, trabalho em equipe, superação. Enquanto isso, são impostas metas quantitativas individuais que, por vezes, estimulam um verdadeiro cenário “puxa-faca” no ambiente que deveria ser a segunda casa do trabalhador, afinal ali passa em média 8 horas por dia.
Relacionamentos não são mais importantes, aliás, são descartáveis. A única estabilidade pretendida é a que se pode encontrar na carteira dos que aderem ao mandamento alienante de uma sociedade em que o mercado é quem dita as regras: “Os fins justificam os meios”.
E o fim de tudo parece ser reduzido em poder comprar tudo o que quisermos, inclusive outras pessoas. Projetos para o futuro? Ficar rico! Lembranças? Se limitam a “selfies” tiradas com um telefone celular de última geração com o objetivo de eternizar o fato de que temos “grana” para estar ali.
Família, amigos, histórias para contar aos netos? Que netos? Será que tudo o que aprendemos no passado é mesmo tão ruim para ser banido de nossas vidas? Palavras de pessoas que considero sábias, como o falecido médium Chico Xavier, discordam desse pensament “Na vida, não vale tanto o que temos, nem tanto importa o que somos. Vale o que realizamos com aquilo que possuímos e, acima de tudo, importa o que fazemos de nós!”
Compartilho das palavras de Voltaire, pois acredito que “Felicidade é a única coisa que podemos dar sem possuir”. A solidariedade e o desejo de amparo em relação àqueles que precisam são sinônimo de uma sociedade mais justa, igualitária e feliz. Valorizar os amigos e respeitar os adversários dá mais sentido às nossas vidas.
Reconhecer o valor do trabalho do outro e incentivar sua criatividade abrem as portas para um mundo em que se compartilham as conquistas. Afastar as falsas necessidades que o mercado cria para nós todos os dias nos aproximam de uma vida mais simples e feliz. Isso mesmo, distante da angústia e da depressão.
Realização e progresso não passam necessariamente por uma carteira repleta de dinheiro. Se assim o fosse nenhum milionário iria sentir-se triste ou deprimido. O dinheiro em excesso muitas vezes nos afasta da construção de novos objetivos e nos premia com uma vida sem sentido. Não quero dizer que ter “dim-dim” não seja importante, mas apenas de não conferir à moeda o posto de ser único sentido de nossas vidas.
Querer melhorar financeiramente não é nenhum pecado, mas não podemos nos esquecer da importância de preservar quem somos, não nos privarmos de nossa criatividade, de nossas experiências. A família e os amigos devem integrar não apenas nossos discursos, mas nossos corações. Solidariedade? Não se limita a uma doação para o Médico Sem Fronteiras ou Exército da Salvação, é preciso ter a mesma conduta em relação aos que estão mais próximos de nós.
Posso até ser um sonhador, mas a verdade é que, como dizia Gonzaguinha, eu prefiro continuar acreditando na “[...] pureza da resposta das crianças. É a vida, é bonita. E é bonita. Viver e não ter a vergonha de ser feliz [...]”. Prefiro afastar de mim a ideologia “moderna” de que é melhor ficar vigilante quanto ao crescimento do outro e fazer de tudo para impedi-lo. É melhor subir junto, aprendendo sempre, que furar a bola alheia para manter ambos com o pé no chão. O melhor sonho é aquele que nos aproxima do céu e permite que nossas famílias e amigos possam estar sempre conosco.