Bem mais precioso dado ao homem por Deus, a vida só tem valor para quem a vive. Para a maioria absoluta dos seres humanos, a vida dos outros não significa nada além do que possa representar no jogo dos interesses.
Fosse a sua vida valiosa, o seu "amigo" do bar de suas paradas diárias do fim do dia não lhe venderia cigarros nem álcool. Dois produtos que os médicos são unânimes em dizer que comprometem a vida – e até a eliminam. Para não ser muito exigente, esse seu amigo comerciante poderia ao menos alertá-lo uma única vez.
Deixe de comprar ali os venenos que ingere por conta e risco e veja qual será a reação desse seu "amigo".
Se o sistema desse realmente importância à sua vida, o guarda não só o multaria pelo excesso de velocidade que pode levá-lo à morte. Essa sua vida não vale a distribuição de panfletos alertando-o sobre os perigos a que se expõe. Nem mesmo sobre as condições da estrada em que você se encontra (se não houver cobrança de pedágio, está sempre com buracos).
Na hora de pedir voto, o político diz que você, individualmente, é importante. Olha em seus olhos, pega em suas mãos e diz que a vitória depende "só de você". Depois de eleito, você já não pode ser recebido como "um", precisa ser parte integrante do coletivo para "ser beneficiado".
Você, individualmente, deixou de existir. Faz parte de um número. E nem sabe qual é o seu próprio número.
Sua vida é tão importante para outras pessoas que, sem dinheiro, você corre o risco de morrer à míngua, sem assistência. E como no serviço público você faz parte de um número global, mas não tem o seu, fique na fila enquanto descobre ou é descoberto.
E, gozado, nesses locais, gente "importante" finge que não o vê (e é provável que não veja mesmo, já que seus olhos estão permanentemente focados para cima) e gente como você o trata mal, com casca e tudo.
Descarrega em você a culpa de achar que a própria vida não vale nada, é incompatível com os seus sonhos.
Fique na sala de espera de um hospital público. Médicos passam para lá e para cá quase sempre olhando para o chão ou para o vazio. Fazem questão de não ver entre os anônimos um conhecido (aquele do simples "oi" como resposta à pergunta "como vai, doutor?").
Afinal, se a pessoa está ali é porque precisa de algo. É melhor não se envolver ("Essa gente tem um tal de pedir favor, está querendo sempre ser atendida com rapidez").
Vista-se razoavelmente bem e entre em uma loja à procura de um determinado produto. Você, naquele momento, é a pessoa mais importante do mundo. Sozinho, consegue atrair as atenções de um vendedor – e até mais de um ao mesmo tempo.
Volte a essa mesma loja depois para reclamar da qualidade do que lhe venderam. Você vai ser empurrado e um para o outro e, enquanto não ficar nervoso, será apenas mais um.
Experimente dizer também "estou só olhando".
Você se julga importante para o time em que joga? É aplaudido e admirado pelos colegas da peladinha do fim de semana? Marque um gol contra, de preferência na decisão do torneio no clube.
Depois, me diga qual foi a reação.
A sua vida é tão importante para os outros – conhecidos e desconhecidos – que, se você cair desmaiado na rua, é provável que ali ficará por um tempo considerável. Provavelmente, o máximo que uma alma caridosa fará será ligar para o Samu.
Se a queda for na pista destinada ao tráfego de veículos, você ainda corre o risco de ser atropelado e processado pelo atropelador por estar atrapalhando o trânsito.
Não é por nada não. Sua vida é importante, mas ninguém tem tempo para perder com ela. Mesmo que você a esteja perdendo.
Você já foi a um asilo? Vá. E ficará estarrecido com a quantidade de importantes vidas que ali estão, esquecidas por conhecidos, amigos e parentes, dependendo da solidariedade alheia, à espera do derradeiro suspiro.
A sua vida é tão importante que, mesmo sendo criança ou velho, você pode revirar o lixo à porta de uma casa por anos a fio, vendo o entrar e sair dos moradores, que nenhum deles perguntará "como vai?". Não se oferecerá para tornar a sua vida melhor, nem mesmo por uns míseros minutos.
Ao contrário, você será evitado. "Pode ser um assaltante disfarçado, espreitando os movimentos da casa, aguardando o momento de dar um bote" – vão justificar para a própria consciência.
Sua vida é indiferente para os bem e mal-intencionados. Os bem intencionados a ignoram. Os mal-intencionados às vezes tentam tirá-la mais rápido. Você escolhe: morre rapidamente ou agoniza por anos a fio.
A importância da sua vida é proporcional ao que você tem. Se for disposição e qualidade para o trabalho, enquanto seus braços tiverem forças ou não aparecerem outros mais fortes, você irá se sustentando. Se for dinheiro, onde o conhecerem, tapete lhe será estendido, até onde seu "fôlego" suportar.
Mas, a cor do tapete dependerá da quantidade desse dinheiro. Existem tapetes de várias cores.
Aliás, tapetes vermelhos negados a algumas vidas honradas, mas desprovidas de bens materiais ou poder político, são estendidos para os mais "safados" dos homens. A vida desses é importante enquanto detêm o poder. Perdê-lo "é morte certa". Para esse tipo de gente, você não morre, pois não existe.
A sua honradez vale muito para você, sua família e os poucos amigos (e duvido que uma pessoa tenha mais amigos – e não colegas ou conhecidos – que dedos nas mãos).
A vida do simples mortal é tão importante que ele não merece proteção especial, nem quando a necessita de fato. Essa segurança só é disponibilizada para quem tem poder – econômico ou político. Afinal, são vidas realmente importantes, ainda que seus possuidores não valham nada.
Se você é do tipo aqui descrito, que não liga nem para as vidas que estão sob sua responsabilidade, tipo esposa, filhos, está na hora de mudar. Compartilhar a vida é via de mão-dupla. A sua vida – para os outros – talvez seja importante na medida exata de como você encara a vida deles.
Para você que não faz o gênero desculpe. Sempre há exceção.
Uma vida é criação de Deus e merece cuidados, atenção. Mesmo que não seja a nossa.
P.S.: quem ajuda a destruir a natureza está pouco se lixando também para as vidas que ainda surgirão. E muitos outros exemplos poderiam ser dados.