FALANDO SÉRIO

Cuba: Redefinindo meus conceitos

François Ramos é redator interino de hoje e faz uma reflexão sobre o país de Fidel Castro

Wellington Cardoso
Publicado em 04/02/2011 às 09:00Atualizado em 20/12/2022 às 01:51
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CUBA: REDEFININDO MEUS CONCEITOS François Ramos - Redator Interino   Ainda me recordo, quando aos meus 17 anos, já trabalhando como operador de radioescuta no Jornal da Manhã, e a colega Marta, então do departamento de RH, perguntou-me, se eu pudesse votar, quem seria o meu candidato. Era 1989 e eu não hesitei em dizer que o único presidenciável que merecia confiança era Roberto Freire. Segundo minhas convicções, apenas o Partido Comunista Brasileiro poderia garantir ao povo a igualdade e a justiça que tanto se desejava.   Minhas convicções políticas mudaram, isso é um fato. Mas a admiração que sempre tive pelo líder Fidel Castro e por seu trabalho em Cuba me motivaram a conhecer melhor aquele País e sua história.   A oportunidade veio no último mês, por ocasião do “Encuentro por la unidad de los educadores”, realizado pelo Ministério da Educação de Cuba, com a chancela de entidades como a Unesco e o Unicef. Com a honra de estar entre os cerca de 400 delegados brasileiros, foi possível conferir a existência de um sistema público de educação com real qualidade.   O analfabetismo deixou de existir em Cuba há mais de 50 anos. Os jovens, ao deixarem o secundário, já são bilíngues. Raros são os cubanos que não dominam pelo menos três idiomas: o espanhol, o inglês e o francês. Os professores são altamente qualificados já no Ensino Fundamental e Médio, com inúmeros doutores ensinando as crianças cubanas.   O sistema público de saúde também foi muito elogiado por todos com quem conversei. Educação, moradia, saúde, segurança (o tráfico e o consumo de drogas praticamente inexistem na ilha), o que só poderia ser um sonho. Contudo, os olhos do povo cubano me diziam outra coisa.   Intrigado, resolvi “entrevistá-los”. Um trabalho que não foi nada fácil. Todos têm muito medo de se manifestar. O controle da informação pelo governo e o rigor com que punem seus adversários deixam todos com cabresto curto. Aos poucos, ganhando a confiança daqueles que trabalhavam pelos bares, hotéis, restaurantes e outros locais em que estive, conheci sua triste realidade.   Cuba vive hoje um momento de grande crise. Cerca de 80% dos produtos comercializados na ilha são importados e não são acessíveis ao povo cubano. Existem duas moedas na ilha: o Peso Cubano e o Peso Cubano Conversível (C.U.C.), que é utilizado pelos turistas e tem o valor aproximado de R$ 2,00.   O trabalhador cubano recebe, em média, 400 pesos cubanos, o que equivale a cerca de R$ 50 por mês. Tem auxílio do governo com água, energia, alimentação e transporte, mas não consegue adquirir os produtos importados, uma vez que devem ser pagos em CUC, moeda que somente aqueles que laboram no turismo têm acesso.   É uma vida de muita privação. Pouco alimento na mesa, censura da informação, direitos civis extremamente limitados e total falta de perspectiva quanto a um futuro melhor. Nove entre dez cubanos com quem conversei deixariam o país, se fosse possível. A péssima remuneração não é exclusividade dos trabalhadores pouco especializados, atingindo também médicos, enfermeiras, advogados, engenheiros, enfim a todos aqueles que não ocupam cargos de alto escalão do governo.   Enquanto na periferia até três gerações de uma mesma família ocupam um único imóvel, geralmente em péssimo estado de conservação, no lado elitizado da capital, Havana, residências de luxo são destinadas aos governantes do país. Uma vergonha!   A capital Havana tem cerca de 2,4 milhões de habitantes. Cidade de rica tradição histórica e cultural caracteriza-se por ser eclética e monumental ao mesmo tempo. Contrastando com tamanha riqueza, vemos pelas ruas da capital jovens, homens e mulheres que se prostituem por cerca de 80 pesos cubanos, quantia suficiente para comprar quatro latas de cerveja, por lá, ou um prato de comida.   O sistema de transportes também é péssimo. Havana já foi conhecida por ter excelente rede de transportes públicos, quer de autocarros (ônibus) quer de táxis, quando tinha um sistema de metropolitano baseado no esquema de Nova York e que foi proposto em 1921, chegando a realizar,em 1959, mais de 29.000 viagens diárias numa densa rede viária, que permitia atingir os 600.000 habitantes da capital, nessa época. Depois da revolução socialista, todos os negócios privados foram confiscados pelo Estado e o transporte público ficou sob a direção do Ministério dos Transportes. Hoje são apenas 8.000 viagens diárias, para uma população que é o triplo da de 1959; isso sem falar na evidente degradação da qualidade do serviço. Os táxis são velhos. Triciclos, chamados de cocotáxis, e os bicitáxis complementam o horrível e caro transporte cubano.   O consumo de carne bovina é proibido para o povo cubano. Com um rebanho pequeno, o governo destina toda a produção para atender o turista. Perguntei se alguém matasse uma vaca, qual seria o castigo, e meu guia não hesitou em dizer: 30 años decárcel (cadeia).   Os preços dos produtos nacionais são semelhantes aos praticados no Brasil. Uma lata do “delicioso” refrigerante Tukola custa nos bares mais populares o equivalente a R$ 1, mas nos pontos turísticos valem o dobro. Isso num país em que uma enfermeira de nível superior recebe 250 pesos cubanos (R$ 30) por mês. A liderança de Fidel Castro ainda é admirada pelo povo, mas o que os cubanos anseiam em ver é uma reforma política drástica e a abertura de seu mercado, na esperança de um futuro melhor. A verdade é que, para mim, Cuba passou de um sonho adolescente para um pesadelo maduro. Se antes tinha dúvida, agora tenho certeza: Amo o capitalismo. Só precisamos de mais justiça social. E isso não está no modelo de governo, e sim nas decisões daqueles que governam.  

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