François Ramos – Redator Interino
Memórias
Quando eu era guri, acompanhei como expectador o processo eleitoral que levou Wagner do Nascimento ao cargo de prefeito de Uberaba. Os comícios lotavam e ainda me recordo de pelo menos duas músicas empregadas na campanha vitoriosa: “Um novo tempo” (Ivan Lins) e “Fuscão Preto”, canção cujo nome se transformaria em referência direta ao político ao longo de sua trajetória.
Mudança
Sem compreender naquela época o significado, presenciei algo que contrariava a tradição local: a ascensão de um homem negro e de origem humilde à condição de chefe do Poder Executivo. A esperança de mais representatividade para as minorias emergia das urnas de Uberaba.
História?
Recordo-me de pelo menos duas realizações do Fuscão Preto que impactaram de forma direta na minha vida: o projeto viário que trouxe a modernidade urbana para a região do Cemitério São João Batista e uma política pública inovadora para cultura e lazer, o Circo do Povo. Infelizmente, seu governo (1983-1988) terminou imerso em denúncias de corrupção e má utilização do dinheiro público. Verdadeiras ou não, as acusações não impediram que Wagner do Nascimento fosse eleito deputado federal por Uberaba pouco tempo depois.
Retilíneo
Honestidade foi o compromisso que colocou o ex-prefeito (1973-1977) Hugo Rodrigues da Cunha como sucessor do Fuscão Preto. Durante a campanha, o ex-prefeito (1977-1983) Silvério Cartafina e o radialista João Batista Rodrigues (depois eleito deputado estadual) apareciam como favoritos. Quem não se recorda dos outdoors espalhados pela cidade com a promessa de construção de 20 mil casas populares que amanheceram com um nariz de Pinóquio? As estratégias eleitorais não tinham limites. Eram outros tempos.
Confiança
Hugo Rodrigues da Cunha conquistou o respeito da população durante sua gestão (1989-1992) e conseguiu fazer seu sucessor: Luiz Guaritá Neto. Jovem, repleto de ideias para o futuro da cidade e dono de um carisma invejado por muitos, o filho do radialista Ataliba Guaritá Neto assumiu o comando do Executivo de 1993 a 1996, com o desafio de trazer Uberaba para a modernidade exigida no final do século XX.
Inovações
Luiz Neto aproximou Uberaba do Governo do Estado. Eduardo Azeredo assume como governador de Minas Gerais a partir de 1995 e se torna um grande aliado e parceiro. A cidade virou sinônimo de desenvolvimento e revistas de circulação nacional a apontavam como um dos melhores lugares para se viver e investir, no Brasil. Ao final da gestão de Guaritá, uma realização encheu os uberabenses de orgulho: a entrega da Univerdecidade.
PFL
O grupo forjado a partir da eleição de Hugo Rodrigues da Cunha continuaria vitorioso por mais oito anos. Luiz Neto lançou Marcos Montes Cordeiro para sua sucessão (1997-2000). A aprovação de seu governo veio das urnas, que garantiram a vitória de seu indicado. A reeleição (2001-2004), por outro lado, foi uma conquista do próprio “Marquinhos”, como era chamado por boa parte dos uberabenses. Contudo, ele renunciou ao final para concorrer e se eleger para o cargo de Deputado Federal.
Mudança
Em seu lugar assumiu o Dr. Odo Adão (agosto/dezembro 2004). O vice de Marcos Montes tinha um projeto ambicioso para Uberaba. Contudo, a carência de recursos e o curto período que tinha para governar o impediram de fazer o seu melhor. Sua decisão de nomear o ex-craque da Seleção Brasileira de Futebol Djalma Santos para o cargo de secretário de Esporte foi elogiada por políticos e profissionais do segmento em todo o país.
Dinâmico
Com o desgaste de um grupo que esteve no poder por quatro mandatos consecutivos, chegara o momento de Anderson Adauto Pereira (2005-2008). Após várias tentativas frustradas, ele venceu o pleito com facilidade e ficou conhecido como um prefeito de personalidade difícil, mas que trouxe uma nova era de desenvolvimento para a cidade. Dinâmico e arrojado, convenceu novas empresas a se instalarem em Uberaba, o que, somado às constantes obras de melhoria e infraestrutura e ao novo modelo de gestão, lhe assegurou a aprovação popular e a reeleição (2009-2012).
Tchau
Porém, Anderson Adauto não conseguiu transferir seu ativo político para o grupo que integrava. Não fez sucessor. O grupo de Luiz Neto e Marcos Montes voltaria ao poder com outro nome introduzido na política por Hugo Rodrigues da Cunha: o deputado federal Paulo Piau Nogueira conquistou a preferência popular e venceu a disputa pela Prefeitura (2013-2016).
Em cima
Piau promoveu uma forte aproximação com o governo federal e conquistou muitos recursos para a cidade. Empreendimentos habitacionais se multiplicaram em sua gestão. Foi reeleito (2017-2020) e se destacou com posições firmes à frente do município durante a pandemia de Covid-19, um trabalho digno do reconhecimento da população. Para sua sucessão, ele escolheu o delegado e então deputado estadual Heli Andrade (Grilo), nome que figurou como favorito ao lado do candidato de oposição, o radialista e também deputado estadual Tony Carlos.
Novo
Porém, uma reviravolta sustentada pelo sentimento de mudança que havia tomado conta do Brasil levou uma novata ao posto máximo do Executivo municipal: Elisa Gonçalves de Araújo (2021-2024). Ela herdou a mesma missão atribuída a Wagner do Nascimento nos anos 80: assegurar mais representatividade aos menos favorecidos em seu governo. O povo confiou na promessa de um governo distante de interesses afins ao “coronelismo”.
E agora?
Observado o histórico de todos os antecessores de Elisa Araújo, resta inequívoco que a capacidade da primeira mulher a comandar a Prefeitura de Uberaba, para construir um legado positivo para a memória do povo que confiou em seu trabalho, será uma determinante na próxima eleição. Será a chancela do Geoparque do município pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) uma das conquistas a integrar seu acervo? Para o bem da cidade, tomara que sim!