FALANDO SÉRIO

Reflexão: Desordem Interior

É uma visão meramente pessoal sobre nós e o comportamento da sociedade

Wellington Cardoso
Publicado em 03/08/2018 às 10:18Atualizado em 20/12/2022 às 13:42
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Engana-se quem pensa que esta seja mais uma crônica contra políticos. É uma visão meramente pessoal sobre nós e o comportamento da sociedade, que, ignorando o sentido coletivo das coisas, mergulha cada vez mais na busca das vantagens pessoais. Cada membro dessa sociedade fecha-se eu seu mundo para não compartilhar o que é seu e busca sempre mais, e mais.

Esquece-se até de viver a vida prazerosa da simplicidade, das pequeninas coisas que trazem prazer, bem-estar e felicidade (coisas que estão presentes em todo canto, como a risada inocente de uma criança, o desabrochar de uma flor, o cantar do passarinho que teima em enfrentar os desafios da cidade e canta perto da sua janela, o céu azul). E, nisso, governantes e governados se assemelham.

Não se sinta ofendido porque para tudo há exceção. Pode ser até que eu esteja falando de mim para mim mesmo.

Há momentos em que me questiono qual é o significado da expressão “sociedade civil organizada”. Quem é ela? Como se manifesta? Como reage diante dos problemas comuns? Que interesses defende? A existência de grupos organizados é inquestionável, mas, o conjunto da sociedade, hummmm!!!

Cada grupo organizado defende interesses que eventualmente podem representar as expectativas do conjunto da sociedade, mas, na maioria absoluta dos casos, não o são.

É mais ou menos o sentido inverso da famosa expressão de que “o freguês tem sempre razão”. “Eu, nosso grupo, temos razão” – é o que prevalece no mais absoluto sentido da palavra. Como é difícil admitir estar errado, dar a mão à palmatória. Para muitas pessoas é mais fácil enfrentar a reprovação velada ao seu orgulho do que sair intimamente engrandecido de um embate pela humildade de reconhecer o erro, ainda que apenas de opinião.

Cada um defende o seu lado com unhas e dentes.

Os donos de escola defendem o aumento da mensalidade, que o professor quer repassado para os seus salários. O estudante, por sua vez, quer conservar o direito ao calote sem prejuízos, que pode significar salários não pagos aos professores e escolas fechadas (“Que se dane, se o meu diploma sair antes”).

O jornalista insiste que a sua versão é a verdadeira, o advogado ouve com cumplicidade as mentiras do seu cliente contadas ao delegado e ao juiz, o policial força a barra para manter o sujeito preso e não passar atestado de que trabalhou mal, o delegado põe todas as versões em dúvida para ficar com a sua, o promotor quer o indivíduo preso de qualquer jeito e o juiz tenta dar uma resposta à sociedade.

O bandido se diz vítima da sociedade.

Quem bate o carro nunca está errado, o culpado foi o outro (alguém já te contou que foi o responsável pelo acidente em que se envolveu?), a mulher (ou o marido) é sempre o chato, o intolerante (quem conta é paciente, bonzinho, amoroso), na briga da escola quem começou foi o coleguinha, o médico nunca é ruim (ruim é o paciente), o paciente diz que ir ao médico não valeu nada (mas não conta que não seguiu as recomendações do profissional e, eventualmente, nem tomou o remédio prescrito).

O marido que deixa a esposa justifica que, na cama, ela não era mulher; a esposa que troca o marido por outro argumenta que o primeiro não era homem. Ninguém imita Jânio Quadros (“fi-lo porque qui-lo”).

A autoridade fala em direitos de uns e de outros, desde que esses direitos não interfiram nos “seus” e ele continue dando as cartas. E todo mundo se sente no direito de julgar que seus direitos são legítimos, pouco se importando com quem está perdendo (Chico Xavier dizia que o que sobra em sua casa está faltando na de alguém).

Quem tem muito atropela quem tem pouco, muitas vezes ajudado pelo sistema, que nunca está do lado dos menos favorecidos. Na dúvida, prevalece o poder.

O País precisa de uma distribuição de renda justa para socorrer os pobres, dizemos todos. Mas, quem está disposto a abrir mão do que tem em excesso? Quem aceita, sem pegar nas armas, perder parte do que tem? Invasão pacífica de fazenda só acontece quando o invadido está de olho na grana do INCRA.

E para defender “os seus direitos”, o cidadão “de bem” está sempre questionando o dos outros. “Se ele pode, por que eu não posso?”. A indagação vale para a fila dupla no trânsito, o avanço de sinal, o jeitinho para furar uma fila de atendimento e até mesmo para as vantagens pecuniárias. Se for bom para mim, é legal. Se for bom só para o outro, é ilegal.

Essa hipocrisia está presente no cotidiano de qualquer cidade. Em Uberaba não é diferente.

E a bagunça instalada no interior de cada um ganha as ruas. Ninguém cuida de nada que não esteja em seu nome. O que é de todos é de ninguém, e cada um se sente no direito de usar o público como se fosse seu. Estraga-se o “orelhão”, arranca-se a placa de sinalização, risca-se o banco, escrevem-se bobagens nas paredes, estaciona-se em local proibido, avança-se o sinal, joga-se papel no chão.

Como reflexo da desordem íntima, o cidadão transfere a sua própria bagunça interior para a exterior, em prejuízo de todos. E com sua pequena colaboração, torna as relações entre as pessoas e a cidade ainda mais difíceis, penosas até.

A bagunça que vai na alma está expressa nas faces carrancudas de um batalhão de pessoas que se cruzam pelas ruas diariamente sem um “bom-dia” ou o risco de um sorriso no rosto (pare no calçadão e observe o ir e vir das pessoas, quanta tristeza, insatisfação em cada olhar). Há até quem se irrite com a felicidade do outro que também rema contra a maré sem perder a alegria.

O caos está instalado, apesar das frustradas tentativas de organização exercitadas por uns poucos. A qualquer observador atento não escapa que as grandes cidades se transformaram em “campos de batalha civilizados”, em que as pessoas estão cada dia mais tristes, mais irritadas, mais impacientes, mais violentas e menos compromissadas com as lições deixadas por Jesus Cristo. É bem verdade que muitas estão rezando por dias melhores, mas também devorando as publicações que falam em tragédias, igualmente urbanas.

E como consomem notícias negativas.

Mostrar a desordem, a violência, as tragédias humanas dá tanto ibope que a poderosa Globo descobriu há anos que seria melhor para a manutenção da audiência rechear o telejornal mais visto do Brasil em um (jornal extinto) “Notícias Populares” televisivo. Chega a impressionar o quando a dor alheia vende. Mais do que anúncios de eventuais melhorias na saúde, na segurança pública, na educação, na vida do próximo.

O sofrimento do conhecido e do desconhecido atrai mais atenções do que qualquer programa religioso. Seja ele católico, espírita ou evangélico. Quem fala em Deus é chato (ainda bem que não desiste).

Mas, mesmo tristes, infelizes, amarguradas, as pessoas, em sua maioria, não buscam os templos religiosos. Para combater a tristeza, a frustração, preferem os barzinhos, os shows, os filmes violentos, os BBBs da vida, os grupos de lamentos afastados dos princípios da caridade e da solidariedade.

Vez ou outra, Deus é lembrado. Ele fica reservado para os momentos em que todas as outras buscas por ajuda fracassaram.

Para que aconteçam as mudanças que queremos nos outros, primeiro temos de promovê-las em nós mesmos. Temos de acabar com a bagunça que reina dentro de cada um de nós.

Experimente.

 

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