FALANDO SÉRIO

Wellington Cardoso escreve crônica sobre `Os padrinhos´

Se até quem nasce em berço de ouro precisa de padrinhos (Leia mais...)

Wellington Cardoso
Publicado em 10/03/2014 às 15:34Atualizado em 19/12/2022 às 08:41
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Os padrinhos (da vida de cada um)

Se até quem nasce em “berço de ouro” precisa de “padrinhos”, os filhos das classes mais pobres da população, nem se fala.

O “filhinho de papai” precisa de ajuda para “escapar” do Tiro de Guerra (seu tempo, em tese, é consumido pelos estudos), ter a barra limpada quando flagrado dirigindo sem habilitação ou fumando um baseado. Colaborações que aparecem sem muito esforço. Quem tem mais, chora menos.

Mas, para quem está na base da pirâmide, ah!, a coisa é diferente. Sem “padrinho”, não surge sequer o primeiro emprego. E de 2000 para cá está ainda pior, pois menor de 14 anos não pode vender picolé, sabão, “vigiar” carro – atividades que a moçada até os anos 90 conhecia bem. Tudo em nome da “proteção” a ele.

Não pode trabalhar, mas estar por aí sem limites, frequentando baladas ou boca de fumo madrugada adentro, não se faz restrição pela fiscalização (as empresas que empregam menores são rigorosamente fiscalizadas).

Que me perdoem os especialistas, relevando minha condição de leigo, mas, em cidades médias e grandes, nunca soube que o trabalho por si só matasse ou desvirtuasse alguém. Dos meus amigos de infância nas Mercês/Santa Marta – TODOS – trabalhavam.

Daquela turma saíram policiais, engenheiros, advogados, comerciantes e até esse modesto jornalista, que não esconde a honra de ser PM (da velha guarda, é claro). NENHUM deu “coisa ruim” – como diziam os mais velhos da época.

Nem ficou com raiva dos pais pelas palmadas que tomou por “roubar” manga – ah! Como a Mercês tinha pés de manga com os galhos dobrados pelo peso das frutas (uma tentação!). Todos viraram homens e mulheres cidadãos (o falecido Vanderli, Tostão, Rubico, Celso Lobeira, Vanda, Ivair, Ernani e tantos outros).

Mas, voltando ao título, Deus sabe o que faz e coloca “anjos” encarnados no caminho dos pobres. E comigo não foi diferente. A educação que não se deve simplesmente esperar dos bancos da escola, veio dos pais, e abrindo caminhos para as oportunidades, pessoas a quem devo gratidão.

A primeira delas, de quem me lembro, foi dona Jupira, servente do Grupo Escolar “Frei Leopoldo”, dando seus primeiros passos em cruzamento da rua Voluntário Ramiro Teles, que, dividida em duas, tem sequência após o Carmelo.

Eu, de calças curtas como todo moleque da época, a ajudava no recreio vendendo os salgadinhos que fazia. Em troca, ganhava o meu. E muito mais: ganhei o seu carinho por muitos anos. Até que deixei o “Frei Leopoldo” e fui fazer a admissão (os mais “erados” sabem do que falo) no Colégio Oswaldo Cruz, levado por dona Jupira, que, para aumentar a renda, também era servente lá.

Sensibilizado com o pedido dela, professor Alexandre Saad me deu uma bolsa de estudos, que aproveitei ao máximo, até minha família se mudar para São Paulo como “retirante” (os poucos pertences – as roupas – foram embalados em sacos de açúcar e transportados por trem, como meus pais e minha irmã, com direito a baldeação em Campinas – era uma correria danada, jogando-se os sacos da plataforma para dentro do trem pela janela para garantir o lugar).

Em São Paulo, outro “anjo” em minha vida: Cristóvão, também já falecido. Um uberabense que morava por lá há anos e era gerente de estacionamento de veículos na esquina das avenidas São João e Duque de Caxias. Local “chic”. Era lá que, flertando com o sucesso, Roberto Carlos e Jorge Bem guardavam seus carros.

Cristóvão nos acolheu e veio meu primeiro emprego com carteira assinada.

Dois anos depois, de volta a Uberaba, tendo sido comerciário, engraxate, entregador de jornal e tintureiro (tudo isso com menos de 16 anos), novamente dona Jupira surgiu em cena: a seu pedido, Virmondes, dono da maior banca de revista da cidade à época, no cruzamento da Leopoldino com Artur Machado, deu-me emprego (lá conheci, entre outros jovens brilhantes, o médico João Hercos, comprador quase que diário de revistas da época e jornais. Faz tempo).

Ainda menor, Manoel Mecânico (ex-Ford), amigo de meus pais, leu algo que escrevi e, admirado com o texto, me apresentou a Farah Zaidan, um dos “bambas” da comunicação na década de 60. Nascia ali, em 1967, minha ligação com a Rádio Difusora. E com outro “anjo” na minha formação profissional: Olavo Sabino.

Com ele aprendi muito, numa convivência de duas décadas: como radialista, jornalista e homem. Considero-me um dos seus discípulos.

E foi pelas mãos de Olavo Sabino que cheguei ao JORNAL DA MANHÃ, quando ele ainda estava sendo gestado. O ano era 1972.

E outro “anjo” surgiu: Edson Gonçalves Prata, de quem ouvi muitos conselhos que aprendi a obedecer. Um deles: “Quando estiver com raiva de alguém e escrever algo contra ele, ponha o texto na gaveta e veja, no dia seguinte, se era aquilo mesmo que queria dizer” (quanto ensinamento para os jornalistas).

Ainda naquela década, Edson Prata me daria a oportunidade de, pela primeira vez, aos 26 anos, ser o editor do JM (eu nem tinha noção do tamanho da responsabilidade que estava assumindo). E contribuiu para a consolidação da minha carreira, sempre estimulada depois por sua herdeira, Lídia Prata.

E alguns outros “anjos” encarnados surgiram em minha vida. Alguns pelas oportunidades que me deram, outros pela demonstração de confiança que serviram como estímulo e trampolim, e uns tantos pelo carinho, amizade e companheirismo. Entre eles, em primeiro, meus pais (Mozart e Mariinha), minha irmã Sueli, os filhos François, Karla, Karina e Alexandre, as netas Duda, Betânia e Lavígnia, a esposa Elina, Hugo Rodrigues da Cunha, Luiz Guaritá, professor Hamid. Outros existem (sou um felizardo), e que me perdoem pela não citação nominal. A lista é grande (sou privilegiado).

Eu tenho – a todos eles sou grato – e você também tem os seus “anjos”.

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