Em uma cidade qualquer, de uma geografia tão genérica quanto suas disputas, florescia uma peculiar entidade que congregava profissionais de uma área técnica. Embora suas atribuições fossem administrativas e os temas de debate orbitassem questões práticas, o fervor que alimentava as disputas internas da organização rivalizava com o de uma epopeia nacional.
Diz-se que, em tempos recentes, ocorreram eleições para a renovação da diretoria. As urnas foram claras: a maioria dos associados, com paciência heroica e votos devidamente depositados, optou por uma chapa de oposição, até então considerada azarão. Perdeu, portanto, o grupo que até então ostentava o poder – um micro poder, é verdade, mas que parecia carregar a simbologia de um império em miniatura.
O desfecho seria previsível: parabéns aos vitoriosos, um aperto de mão formal e o encerramento de mais um ciclo. Mas eis que a história, sempre disposta a enveredar pelo tragicômico, tomou outro rumo. A chapa derrotada – ao invés de recolher-se à oposição com dignidade – resolveu travar uma batalha jurídica pela desqualificação da chapa vencedora, alegando irregularidades formais de uma trivialidade desconcertante.
Surgia, assim, uma fascinante demonstração do fenômeno que se poderia chamar de “síndrome da cadeira vazia”. Quando alguns se veem prestes a perder seu assento em estruturas de poder – por menor que seja o poder e por mais exíguo que seja o assento – a reação não é de aceitação, mas de apego quase visceral. O micro poder, esse pequeno diamante que ilumina egos desavisados, revela-se, muitas vezes, mais precioso que o ouro das grandes esferas.
Curiosamente, há algo de cômico nesse espetáculo: enquanto os cidadãos lá fora se preocupam com questões prosaicas – contas de água, a fila no supermercado ou o próximo capítulo de suas novelas favoritas –, os nobres administradores da entidade em questão se empenham em cavar trincheiras por pequenas cláusulas, como se estivessem defendendo o último bastião da civilização ocidental.
A ironia não escapa ao observador atento. As mesmas figuras que deveriam ser modelos de liderança e compostura tornaram-se personagens de uma tragicomédia provinciana, cuidando do seu jardim de litígios como se nele florescessem as mais raras orquídeas, erguendo barricadas e lançando manifestos contra formalidades que, no fim, não alterariam em nada o desejo democrático expresso nas urnas. E por quê? Porque a ideia de perder o pequeno poder é, para alguns, mais aterrorizante do que o colapso das instituições que juraram proteger.
Não se trata, claro, de um fenômeno restrito a esta cidade fictícia ou a esta entidade específica. A história humana está repleta de exemplos de como o poder, em qualquer escala, corrompe, adula e vicia. Talvez o maior risco do poder não seja sua magnitude, mas sua capacidade de seduzir até mesmo quando é microscópico.
Assim, seguimos a observar – com alguma curiosidade, um toque de espanto e uma pitada de escárnio – como os detentores do efêmero trono de papel lutam como se fossem reis absolutistas em defesa de seus reinos imaginários. E a lição que fica é simples: enquanto alguns se apegam à sombra do poder que lhes escapa pelos dedos, o mundo continua a girar, alheio e indiferente às pequenas disputas travadas em seus cantos mais discretos.