LUCIANO CAMARGOS

STF Fashion: Quando a justiça se olha demais no espelho

Luciano Camargos
Luciano Camargos
Publicado em 07/02/2025 às 10:45
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O Supremo Tribunal Federal (STF) anunciou o lançamento de uma linha de acessórios institucionais, composta por gravatas e lenços personalizados, que serão distribuídos como presentes, conforme divulgado pelo presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso. Segundo a revista Oeste, o custo de cada gravata é de R$ 384,00.

Em sua justificativa, o ministro afirmou: “Nós recebemos muitas visitas ou visitamos lugares em que as pessoas nos dão presentes. E, portanto, foi uma forma que nós encontramos, gentil, de retribuir os eventuais presentes que recebemos com uma gravata que tem o símbolo do Supremo Tribunal Federal e que, se permitirem aí, modéstia à parte, ficou muito bonitinho.” Barroso ainda mencionou, em tom de brincadeira, que houve a criação de um novo departamento, o “STF Fashion”. No entanto, a decisão gerou forte repercussão e críticas.

A escolha do STF de investir tempo e atenção na criação desses itens levanta reflexões que vão além da questão meramente administrativa e financeira. O ponto central não é a confecção das peças em si e seu custo – que já seria um absurdo-, mas o que esse gesto comunica à sociedade.

Os símbolos têm um papel fundamental na construção da autoridade e da identidade das instituições. Eles não são meros ornamentos, mas sim instrumentos de afirmação de poder e de diferenciação social. Desde os tempos antigos, insígnias, vestes e objetos específicos foram utilizados por governantes, magistrados e sacerdotes para marcar sua posição hierárquica e consolidar sua legitimidade.

A gravata, por si só, já é um símbolo de distinção. Tradicionalmente associada à formalidade, à autoridade e ao prestígio, seu uso é reservado a ocasiões especiais e ambientes que exigem certa solenidade. Não se trata de um mero acessório, mas de um emblema de status e pertencimento a determinados círculos sociais e profissionais.

O que dizer, então, de uma gravata estampada com o símbolo do Supremo Tribunal Federal? Seu significado vai além da mera vestimenta. Ela não apenas reforça a formalidade, mas comunica um pertencimento: indica proximidade com a mais alta Corte do país. Mais do que um acessório institucional, a gravata do STF se torna um selo de distinção, um indicativo de que aquele que a recebe ou a utiliza não é uma pessoa comum, mas alguém que, de alguma forma, se conecta ao poder. Seu verdadeiro valor não está no tecido, no design ou no preço de R$ 384,00, mas no que ela representa: um passaporte simbólico para um universo inacessível para a maioria.

Em uma sociedade marcada pela hierarquização e pela diferenciação de status, a criação desse símbolo carrega um peso significativo. Não se trata apenas de um brinde cortês, como sugerido pelo ministro Barroso, mas de uma insígnia de prestígio, um objeto que confere reconhecimento e abre portas. Seu valor simbólico reside justamente no fato de que poucos terão acesso a ele. Certamente, não será você, leitor, nem um advogado comum, um jurisdicionado ou um cidadão médio quem ostentará esse distintivo. A gravata do STF não pertence ao povo, mas sim a um grupo seleto, definido pelos próprios membros da Corte. Esse é o verdadeiro poder dos símbolos: eles não precisam de explicação, pois comunicam sua mensagem de forma direta e eficaz.

Como se não bastasse, o STF parece empenhado em se distanciar ainda mais do povo. A maior parte da população brasileira sequer tem eventos onde poderia ostentar uma gravata do Supremo – isso se tivesse um terno para acompanhá-la. Para milhões de brasileiros, a formalidade do traje não é uma questão de escolha, mas de acesso. Em um país onde o desemprego, a informalidade e o alto custo de vida tornam difícil até mesmo a compra de roupas básicas para uma entrevista de emprego, o STF, alheio a essa realidade, presenteia o mundo jurídico com um acessório que só faz sentido nos salões onde o destino da nação é decidido.

Enfim, esse episódio revela, mais uma vez, o abismo que separa as instituições que deveriam servir ao povo da realidade vivida pelos cidadãos comuns. O "STF Fashion" pode ter sido anunciado em tom de brincadeira, mas os símbolos não brincam: a Justiça brasileira é cega e seletiva.

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