Há palavras feias e palavras bonitas
Há palavras feias e palavras bonitas. As feias não significam necessariamente palavrões. Não é isso. É mais um problema de fluidez. De sonoridade. Pense, por exemplo, na palavra "função". Concentre-se nela. É ou não é uma palavra feia? A língua portuguesa é pródiga em palavras feias. As que levam o "til" são as piores. O til deveria ser eliminado para sempre. Há idiomas mais sonoros, outros menos sonoros. Os guturais são os piores.
As palavras bonitas agradam aos nossos ouvidos. Fluem docemente. Deslizam. Mel que escorre do frasco. Suavemente. Gerânio, papoula, boneca, primavera, saudade. São milhares, é só descobri-las.
Dias atrás, eu me despertei às quatro horas da manhã. Na minha idade tem dessas coisas. Acorda-se cedo. Faz parte da condição de "senescência". Nessas horas, às vezes, coisas me são reveladas: pensamentos, ideias para crônicas, projetos e coisas assim. É preciso que se tenha um papel e caneta à mão. Não se pode perder a oportunidade. A caneta economiza o neurônio.
Naquele momento, uma palavra insistia em bater à minha porta. Martelava com insistência. Vinha e voltava como um pisca-pisca. Compaixão, era esta a palavra. Apesar do til, uma estranha suavidade se revelava aos poucos. Suavidade e profundeza.
Se eu disser que tenho compaixão por você, provavelmente você não vai gostar. Isto porque você já associou a palavra "compaixão" à palavra "dó". Nada tem a ver uma coisa com outra. Não são sinônimos.
Compaixão origina-se do latim (cum+passione). É sinônimo de "empatia", que procede do grego (in+pathos). É quase a mesma coisa. Ter compaixão é o mesmo que ter empatia. Não entra aqui nenhum sentimento de dó. Ter dó tem uma conotação desagradável.
No Evangelho, encontramos, vezes sem conta, o termo compaixão. "Sede compassivos como meu Pai é compassivo." Alguns tradutores preferem dizer "misericordiosos", mas não é a mesma coisa. Misericórdia está mais na linha do perdão.
Há uma passagem significativa na narração de Mateus. Um episódio pouco comentado. Muita gente rodeava Jesus. Um empurra-empurra incontrolável. De repente, não se sabe como, surge diante dele um leproso. O povo se afasta horrorizado diante daquele rosto pustulento, coberto de moscas. No meio, ficaram os dois. "Se quiseres, podes curar-me", disse um. A mão do outro se levanta, toca suavemente aquele rosto apodrecido, com respeito e doçura, e diz: "Eu quero, sê curado". Não era um sentimento de dó, mas de compaixão, de incomensurável simpatia. O verbo "querer" foi o laço de identificação. Fez com que um sentisse a dor, o drama do outro. Simpatia é "sofrer com", “sofrer dentro”.
E, de repente, envergonhados e confusos, descobrimos que nada temos de compassivos. O número dos cristãos "anti-páticos" é ainda muito grande.
(*) Membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro