ARTICULISTAS

Da perda

Gilberto Caixeta
gilcaixeta@terra.com.br
Publicado em 18/03/2014 às 10:15Atualizado em 19/12/2022 às 08:34
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Esse seu massacre ao meu corpo fez de mim um covarde das paixões. Penso em deixá-la e, só por pensar, me desmorono por inanição de sua ausência. Penso em ser forte e fragilíssimo em esquinas de minhas lembranças. Que corpo não se entrega quando o beijo o acasala. Que corpo não se cuida quando a mão esculpe a descoberta do desejo.

Que corpo deixa a alma abandoná-lo quando se inflama de paixão. Tornei-me ou sempre fui seu, sem saber que era, assim, todo entregue. Os dias foram se emendando numa constante de pensamentos únicos e me perdi sem que soubesse que não poderia ser assim, tão dado, tão próximo, que não lhe permitisse o suspiro da saudade por mim.

Se houve, anulei-me, acreditando que poderia assim ser feliz. Hoje, entregue, penso em recomeçar por mim, para poder amar. Penso em deixá-la e, só de pensar, lembro-me de quando nós conhecemos. Você, ali, com o olhar perdido no tempo, e eu, de lá, procurando um jeito de olhar em seus olhos. A vi sem ser visto. Seus olhos negros e os meus, ao se olharem, dei-me por refém, por pura entrega. Seu jeito simples, cativante, deixou-me ali parado, a olhar seus cabelos ao vento, seus braços soltos ao longo do corpo a olhar as maritacas observando aqueles que passam sem nos ver.

Quando começaram aquele relacionamento, não souberam entender que eram, como todos são, de mundos distintos. Quiseram que fossem de um único mundo, de um mesmo temperamento, com a mesma visão de mundo. Quando penso em deixá-la, seus olhos latejam em mim e me veem, sem que eu possa me esconder. Dessa doença sem nome não há remédio para a cura que não seja a sua presença. Não quero ser feliz nem infeliz, só quero me encontrar para falar de amor. Dizer dos meus defeitos e permiti-los à exposição. Expressar as minhas qualidades em gestos simples e comedidos, permitir-me a serenidade que as coisas requerem. Vê-la sem os olhos, tateá-la sem mãos, ouvi-la no silêncio e dizer que ainda a amo é pouco. Quando pensei em deixá-la, você não era minha.

Eu já não era. Não éramos. Anulação de si é perda, como ser o que não se é. Não ter inteligência emocional é como caminhar em espaço sem saber que não se constrói a não ser o desmanchar do que se tenta construir. Há em nós uma identidade que nos diferencia e nos aproxima querer a sua fusão em encontro com o outro é se afogar na incompreensão do que se propõem a construir. Quando pensou em deixá-la, foi na separação dos pensamentos, porque fisicamente não mais existiam em esperança.

O seu choro, quando surgia, não era da perda dela, mas da esperança de ser feliz, do encontro desejado, do amor querido não mantido. Sustentar relacionamentos é uma arte de construção, onde as peças erradas ficam e interferem, mesmo quando ocorre o perdão. A misericórdia nos dispensa dos sacrifícios quando a intenção é o bem. Quando ele pensou em deixá-la, já a havia perdido e só lhe restou o recomeçar em si.

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