ARTICULISTAS

Das mil maneiras de agradecer

Chamavam-no de Paraíba. Provavelmente, ninguém soubesse seu nome. Moreno, baixinho...

Padre Prata
thprata@terra.com.br
Publicado em 05/11/2017 às 10:51Atualizado em 16/12/2022 às 09:19
Compartilhar

Chamavam-no de Paraíba. Provavelmente, ninguém soubesse seu nome. Moreno, baixinho, fenótipo e sotaque de nordestino. Perambulava lá pelo Alto das Mercês, sem profissão, sem parentes, ninguém sabia nem sequer onde morava. Qualquer árvore servia, contando que houvesse sombra. Era repentista e pacífico. Não dizia palavrão nem respondia aos engraçadinhos. “Sou um cabra respeitoso”, gostava de afirmar. Bebia como um gambá, embora eu não saiba se é verdade o que dizem desse inocente marsupial. Passava a noite onde bem entendia. Parecia feliz. Ria gostoso, mostrando os três ou quatro dentes que ainda possuía.

Numa noite, dessas de frio cortante, eu o vi tiritando lá na avenida Alexandre Barbosa. Sentado ao pé de uma figueira, batia queixo e se enrolava em trapos. Tive uma imensa compaixão daquele irmão meu. Voltei em casa e trouxe para ele um bom cobertor. Agasalhei-o como pude. “Não se avexe comigo”. Foi apenas o que ouvi.

Cinco dias depois, encontrei novamente o Paraíba. Estava cambaleando. Ainda fazia frio. Fui logo perguntand “Cadê o cobertor que te dei, Paraíba?”. Ele olhou para mim, sorriu e respondeu com toda candura: “Ara, seu padre, o senhor acha que eu ia usar um trem chique daqueles? De jeito nenhum. Passei ele nuns cobre e bebi ele todinho...”.

Os “homens de rua” têm um modo diferente de pensar e agir. Ainda lá no Alto das Mercês eu me lembro do Lázaro. Pai de um punhado de filhos, lutava para sustentá-los. Não tinha profissão fixa. Fazia de tudo que lhe rendesse uns trocados. Era honesto e respeitoso. Sua esposa, costurando, ajudava como podia. O Lázaro não parava, limpava o jardim de um, lavava o carro de outro, rachava lenha, aguava planta. Era pau pra toda obra.

Um dia, deram-me para fazer doação um conjunto de costura com todos os recursos para a profissão, retroses, linhas daquelas “British Cotton”, cordoneses (nem sei se ainda existe isto), dedais, tesouras de vários tipos, enfim, coisa para ninguém botar defeito. Um presente caro. Lembrei-me do Lázaro. Ele abriu a caixa, olhou espantad “É capais di minha muié nem sabê pra qui serve essa trenhera!”. Pegou a caixa e ia saindo. Resolvi pedir-lhe um favor, que arrancasse uma meia dúzia de erva quebra-pedra em meu jardim. Cinco minutos depois, bateu na minha porta. “Já arranquei, seo padre, costumo cobrar dez, mas pro senhor vou cobrar só cinco.”

Eles são diferentes.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Logotipo JM OnlineLogotipo JM Online

Nossos Apps

Redes Sociais

Razão Social

Rio Grande Artes Gráficas Ltda

CNPJ: 17.771.076/0001-83

Logotipo JM Magazine
Logotipo JM Online
Logotipo JM Online
Logotipo JM Rádio
Logotipo Editoria & Gráfica Vitória
JM Online© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por