Chamavam-no de Paraíba. Provavelmente, ninguém soubesse seu nome. Moreno, baixinho, fenótipo e sotaque de nordestino. Perambulava lá pelo Alto das Mercês, sem profissão, sem parentes, ninguém sabia nem sequer onde morava. Qualquer árvore servia, contando que houvesse sombra. Era repentista e pacífico. Não dizia palavrão nem respondia aos engraçadinhos. “Sou um cabra respeitoso”, gostava de afirmar. Bebia como um gambá, embora eu não saiba se é verdade o que dizem desse inocente marsupial. Passava a noite onde bem entendia. Parecia feliz. Ria gostoso, mostrando os três ou quatro dentes que ainda possuía.
Numa noite, dessas de frio cortante, eu o vi tiritando lá na avenida Alexandre Barbosa. Sentado ao pé de uma figueira, batia queixo e se enrolava em trapos. Tive uma imensa compaixão daquele irmão meu. Voltei em casa e trouxe para ele um bom cobertor. Agasalhei-o como pude. “Não se avexe comigo”. Foi apenas o que ouvi.
Cinco dias depois, encontrei novamente o Paraíba. Estava cambaleando. Ainda fazia frio. Fui logo perguntand “Cadê o cobertor que te dei, Paraíba?”. Ele olhou para mim, sorriu e respondeu com toda candura: “Ara, seu padre, o senhor acha que eu ia usar um trem chique daqueles? De jeito nenhum. Passei ele nuns cobre e bebi ele todinho...”.
Os “homens de rua” têm um modo diferente de pensar e agir. Ainda lá no Alto das Mercês eu me lembro do Lázaro. Pai de um punhado de filhos, lutava para sustentá-los. Não tinha profissão fixa. Fazia de tudo que lhe rendesse uns trocados. Era honesto e respeitoso. Sua esposa, costurando, ajudava como podia. O Lázaro não parava, limpava o jardim de um, lavava o carro de outro, rachava lenha, aguava planta. Era pau pra toda obra.
Um dia, deram-me para fazer doação um conjunto de costura com todos os recursos para a profissão, retroses, linhas daquelas “British Cotton”, cordoneses (nem sei se ainda existe isto), dedais, tesouras de vários tipos, enfim, coisa para ninguém botar defeito. Um presente caro. Lembrei-me do Lázaro. Ele abriu a caixa, olhou espantad “É capais di minha muié nem sabê pra qui serve essa trenhera!”. Pegou a caixa e ia saindo. Resolvi pedir-lhe um favor, que arrancasse uma meia dúzia de erva quebra-pedra em meu jardim. Cinco minutos depois, bateu na minha porta. “Já arranquei, seo padre, costumo cobrar dez, mas pro senhor vou cobrar só cinco.”
Eles são diferentes.