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Das palavras à escrita

Lascou a pedra, raspou o teto e as paredes da caverna, riscou o chão. Pôs o seu nome no papiro

Gilberto Caixeta
gilcaixeta@terra.com.br
Publicado em 17/08/2010 às 19:33Atualizado em 20/12/2022 às 04:50
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Lascou a pedra, raspou o teto e as paredes da caverna, riscou o chão. Pôs o seu nome no papiro, escreveu com caneta tinteiro, descobriu o mata-borrão, escreveu um livro e o imprensou, rabiscou com o lápis, assinou com a caneta. Caminho árduo e tortuoso da escrita, da formação da caligrafia humana.

Dos primeiros dias aos dias atuais, o homem foi se esmerando para aprender a escrever. Quando desceu das árvores, adaptou as suas mãos para as novas atividades que não fossem os galhos, e entre essas adaptações, na evolução humana, está a escrita. Mas de nada adianta saber escrever se não há o que escrever. As mãos pedem, mas o pensamento não responde e a alma silencia, deixando as mãos órfãs para outras atividades. Entrementes, quando a mão sabe escrever, o pensamento relata à escrita, porém, na hora de locar no papel, a escrita é tão indecifrável que se torna uma cacografia. Assim são alguns médicos ao prescreverem as suas receitas, escrevem-nas para si. Somente eles compreendem o que ali está escrito e, às vezes, nem o farmacêutico, que gostaria de ser médico, não compreende o que o seu colega prescreveu, tamanha a borrada escrita. Por que médicos escrevem assim? É cultural ou ensinam nos seus cursos a escreverem assim, perdem a caligrafia, sepultam os anos de Ensino Fundamental e, antes de se formarem, já estão com a letra totalmente desvirtuada. É incompreensível.

Certo dia, em sala de aula, pedi um trabalho sobre as correntes do pensamento no século XIX. Orientei com uma bibliografia, sites confiáveis e informei que o trabalho deveria ser entregue em papel almaço. Ah! Pra quê! A choradeira veio torrencial com afirmativas do tip vivemos na era da informática; tudo hoje é on-line. Posso enviar o meu trabalho para o seu e-mail? Posso entregá-lo no pen drive, ou em disquete? Após ouvir todas as argumentações, afirmei que sim, poderiam entregar na forma digital que bem entendessem, desde que fosse acompanhada de uma cópia em papel almaço, a caneta ou a lápis, não fazia questão de que fosse unicamente a caneta. Não gostaram muito não.

As letras estão cada vez mais horrorosas, cada vez mais indecifráveis, como se toda a evolução empreendida pelo homem da caverna fosse se esvaindo com a falta de dedicação dos modernos ao ato de escrever. Há quem defenda a alfabetização através do teclado, bobagens sérias de quem quer vender computadores e instituí-los como estratégias públicas de educação. Eu quero é caderno de caligrafia para alguns e para médicos prescreverem suas receitas, ou computador ou máquinas de datilografia. Aqui é brincadeira.

Brincadeiras à parte, fica a seriedade de se pensar a caligrafia do alfabetizado. Não podemos nos abdicar da conquista da escrita, mas não é qualquer escrita. Ela deve ser legível, racional, pontuada corretamente. Já basta a evolução da língua, que às vezes chega às raias da incompreensão. Imagine, agora, quando a escrita for a tradução da perda das palavras. Da pedra lascada à ausência das letras, péssimo enredo.

(*) professor

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