Volto hoje ao tema solidão. Basicamente, este estado de espírito está ligado à área emocional. É alguma coisa que aperta o coração, diziam os antigos. Sabe-se que deriva de um termo latino, “solitudo” (de “solus”, estar sozinho, sem companhia).
Já li, não sei onde, que a palavra saudade é a forma galaico-lusitana de solidão. Pode ser que seja, porque a saudade é um vazio, um não-estar que nos tritura por dentro, um estado difícil de não-estar-com. Saudade é sempre solidão. Saudade é sentir falta. Falta de alguém. Ausência de quem nós amamos. Ausência de alguém que responde às nossas exigências afetivas básicas. É assim sentir saudade. Dói muito. Pior é que a saudade é quase sempre irremediável. O ser amado pode voltar. Mas, às vezes, não volta nunca, quando a pessoa que amamos está irremediavelmente mergulhada na dimensão da eternidade.
Não faz muito tempo, fui chamado para atender um enfermo, no Hospital Universitário. Havia quatro doentes na enfermaria. Ao sair, uma segunda pessoa me chamou: “Padre, eu também quero uma bênção”. Era uma senhora de rosto róseo e olhos azuis e tristes. Estava deitada numa cama com lençóis muito brancos, confundindo com seus cabelos. Falei com ela sobre a ternura de Deus, sobre a esperança e a confiança no Pai e de como era bom ser amada por Ele. Dei-lhe a bênção e me despedi. Ela segurou minhas mãos. Duas lágrimas brotavam de seus olhos tristes. Fez seu pedido vindo lá do fundo de sua alma: “Padre, fica comigo mais um pouquinho. Estou sozinha. Ninguém vem me ver.” É a dor da solidão.
Às vezes tenho a impressão de que o número daqueles que se sentem sozinhos está aumentando. O progresso da eletrônica vai, aos poucos, levando o homem para a solidão. Para muita gente, o controle-remoto é o único companheiro de sua vida. Cercamos nossas casas com arame-farpado, com fios eletrificados, espias televisivos, grades, tudo isso para avisar aos invasores potenciais que estamos alertas. E, lá dentro de nossas casas, apesar do medo que continua, nós nos cercamos de uma imensa parafernália de coisas feitas para nos distrair, como home-theater, TV de alta definição, DVD, Windows Messenger, telefone acoplado ao computador e muito mais. Tudo isso para nos fazer felizes, para fugir da solidão. Mas, nós continuamos sozinhos. Perdemos o calor humano. Ainda não descobrimos que todos esses recursos eletrônicos não preenchem nosso vazio interior, não amenizam nossas angústias. Vamos nos fragmentando progressivamente.
Lembro, então, de Santo Agostinho. Há mais de mil e quinhentos anos, ele escrevia: “Meu coração está inquieto, Senhor, até que eu Te encontre.”
A pior solidão é perder o sentido de Deus, de sua presença. Criamos um Deus à nossa imagem e semelhança, um Deus colocado ao nosso serviço, um Deus a quem recorremos para pedir, enquanto nos esquecemos de andar no caminho que Ele nos revelou por seu Filho. Fizemos de Deus um dono de farmácia onde só entramos para procurar remédio para algum mal.
É bom lembrar-nos, de vez em quando, de que não temos aqui na terra morada definitiva. Nossa pátria é outra. Somos caminheiros.
Guardei comigo a cópia de um dos últimos escritos de Saint-Exupéry: “Senhor, dá-nos a paz das colheitas terminadas, já estou cansado das lutas de meu coração. Sei que um dia chegarei à paz. Abrirei meu caminho sem compreender. Simplesmente... irei.”
(*) Membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro