Não sei se choverá até terça-feira, que é quando costumeiramente são publicadas as nossas crônicas; porém, hoje, o tempo está quente demais, árido demais, em todos os sentidos. A aridez inflama os embates da disputa e as divergências em solo, esquentando ainda mais o tempo; porém, o vento que atravessa a árvore me traz um cheiro de terra úmida, iludindo-me com a chuva. A visitação do cheiro expõe uma imagem que não é o fato, é igual à ideia no desuso. Os sentimentos afloram e a maioria permanece silenciosa, porque ninguém consegue se emocionar. Não há entrega, somente intrigas a tecerem a colcha, desafiando, assim, o bom senso para depois se acasalar na conveniência que ali protegidas criam asas e voam em busca de seus alvos. O tempo está quente demais e é preciso que chova. Vou procurar me desanuviar, desfocar do trânsito, deixando o alerta ligado para o tráfico de droga que banca candidaturas com a mesma naturalidade que classistas querem eleger os seus representantes. Deus está distante de tudo isso, embora vários digam que Dele são representantes. A disputa é saudável, é preciso disputar, pois ela compõe a esteira civilizatória da humanidade. No começo era o duelo – espada depois revólver –, depois veio o debate e a falácia permaneceu, raptou as armas, tornando-se um instrumento de esperteza, porém, mortal como arma. Se eu soubesse tocar um instrumento musical, poderia me salvar. Então, como não sei, dê-me mais uma dose de coisas completamente descompromissadas com tudo isso que assim poderei relaxar. Então, falarei da minha amiga criadora amorosa de galinhas. As suas botam ovos azuis, lindamente azuis. Não sei quando nasceu a sua estima por galinhas, que geralmente são tão boas em panelas ou enfiadas em espetos para quem é carnívoro. Estas suas crias são levadas para a sua cama de casal e ali ficam horas conversando e falando sobre o acaso e a solidão. Nesse diálogo, os pintinhos são dispersos, não sabem qual futuro os esperam em sociedade canibal. As mães desconfiam, mas não intuem nada, são galinhas. A minha amiga fica ali, alertando-as, defendendo-as de tudo e de todos, embora ninguém acredite que ela seja uma defensora dos bípedes emplumados. Pelo menos daquelas que botam ovos azuis, ela é. Ela cuida delas como se fossem sua cachorra, sua gata, essas coisas comuns de gente solitária. No dia em que ela nos contou essa história, havia na roda outro amigo – chamam-no de “risadinha”, outros, de “sorriso”, e vários, de moreninho – que ouviu atentamente o relato. Sorridente ele é, mas, para ser moreno, precisaria tirar muita cor dele. Ele é preto mesmo, e isso o fez sorridente. A cor é uma estranheza do referencial, assim como criar galinhas de estimação. A minha amiga as defende, as observa pelas manhãs e tem um cuidado louvável a ponto de escolher um galo adequado para elas. Afinal, galinhas podem também sofrer de solidão, assim como nós, embora envoltos de tempos quentes e de debates estéreis.
(*) Professor