Ele tem o dom de ler o tempo. Do absurdo de um dia ensolarado prever o frio. Estávamos proseando quando ele parou e disse: “O vento virou pra cima do rio, talvez não chova, mas vai esfriar”. Ficamos olhando-o. Vai fazer frio. Continuamos a nossa prosa. Só levamos a sério a sua afirmativa quando tivemos que nos agasalhar no outro dia. Ele é assim? Perguntei à sua filha, já acostumada com as suas previsões do tempo e frases sábias. Ela não duvidou da previsão do pai. Ele é pai amoroso sempre a aconselhar os filhos. Casamento é um jogo, quando ganha é bom, mas quando perde não tem volta. Esse jogo não tem volta. Às vezes tem. Tenho um conhecido que se separou da esposa e passou a namorá-la, depois se tornaram amantes. Quando se descobriram casaram novamente. Coisa maluca, mas é verdade. O que fazer com este cardápio de loucura que povoa as mentes e enfeita os comportamentos? A memória traz consigo as lembranças à época em que éramos animais. As nossas primas aves e os outros parentes nos deixaram as suas marcas em nosso processo civilizatório, que o cérebro ainda não as refinou. Os nossos sentimentos afloram e, ainda, há uma minoria silenciosa que não consegue se emocionar. Não há entrega, somente intrigas a tecerem a colcha das relações. O tempo está quente demais e é preciso que chova. Tenho um amigo que gosta de galinhas garnisés. Elas são pequeninas e não servem à alimentação, são enfeites de quintal. São anãzinhas a carcarejarem. Elas sabem quando ele chega em casa, e ficam ali assim o espiando. Igual outra, criadora amorosa de galinhas. As suas botam ovos azuis, lindamente azuis. Não sei quando nasceu a sua estima por galinhas, que geralmente são tão boas em panelas ou enfiadas em espetos para quem é carnívoro. Estas suas crias são levadas para a sua cama de casal e ali ficam horas conversando e falando sobre o acaso e a solidão. Nesse diálogo, os pintinhos são dispersos, não sabem qual futuro os esperam em sociedade canibal. As mães desconfiam, não intuem e não querem alardear, são galinhas conformadas. A minha amiga fica ali as alertando, defendendo-as de tudo e de todos, embora ninguém acredite que ela seja uma defensora dos bípedes emplumados. Ela é cuidadora daquelas que botam ovos azuis. Cuida delas como se fossem sua cachorra, sua gata, essas coisas comuns de gente solitária. No dia que ela me contou a história estávamos de prosa em roda. Jogar conversa fora entre amigos é tão saudável quanto comer fruta. Conversar somente coisas sérias nos deixa menos livre. É preciso relaxar, desanuviar das toxinas do viver e nos entregar ao embalo da simplicidade que nos agasalhe. Ela cria galinhas de estimação. Ela as defende, as observa pelas manhãs e um cuidado louvável, ao ponto de escolher um galo apropriado para cada uma delas. Afinal, galinhas também podem sofrer de solidão, assim como nós. Caminhantes solitários em esteira civilizatória.