Dias passados, pela manhã enquanto aguardava o café, pela janela do quarto, de olhos dispersos sem olhar a nada, senti também o pensamento sem nenhum propósito perdido no infinito. São esses momentos assim vazios, próprios daqueles que já vivem uma longa existência rememorando os SONHOS que se foram e que não voltaram mais. Naquela manhã sob um chuvisqueiro sem muito entusiasmo, de quando em vez, pombos de penas brancas, de cor cinza e outros de penas pretas, um após outro, saiam espremidos pelo reduzido espaço entre as telhas daquele telhado que se avistava. Assim que cada um se punha ao chuvisqueiro, se arrepiava e se bicando freneticamente por todos os lados, se coçava. De há muito os conheço. São madrugadores. Acordam-se todos os dias demais cedo. Com os seus arrulhos, tenho que se despedem de mais uma noite que se passou. Eu sem me esconder os apreciava atentamente. Parece-me que também eles me olhavam sem dar qualquer importância a minha observação. O café estava pronto, escutei me chamar. Mas naquela manhã, continuei embevecido observando a alegria daqueles pombos. Alguns menos dispostos e sob aquele chuvisqueiro, se mantinham junto à parede encorujados. Outros, aparentando-me com mais fome, catavam tudo naquele telhado. Raramente disputam o mesmo grão. Quando acontece, pelo que se percebe, brigam também. Nenhum pombo mesmo que por perto esteja, interfere na contenda. Certamente sabe que o desacordo é breve. Vivem eles agrupados e que tranquilo me parece ser o mundo daquelas pequenas aves. Casais amantes, também como nós se beijam. Alguns daqueles, até com exagero. Repentinamente um deles lembrando-se por certo de alguma coisa, bate asas e lá se vai. Segundos depois, mais um, mais outro, outros mais, enfim, o bando inteiro desaparece. De um instante para o outro, o telhado se tornou vazio. O pensamento se esqueceu dos pombos. Não precisou ir tão longe para sentir o mesmo vazio como fica um coração do qual os SONHOS também se foram. Aquele debandar dos pombos me fez conjecturar: Quanta verdade!... À tarde já se escurecendo, voltam eles ao telhado. Muito diferente dos nossos SONHOS... Escutei de novo o chamado para o café. Fui fundo para dentro de mim balbuciand Quanta verdade, Raimundo da Mota Azevedo Correia. Quanta verdade!...Somente, aquele coração que já sentiu o abandono dos Sonhos, saberá sentir a beleza de sua poesia. “Vai-se a primeira pomba despertada.../ Vai-se outra mais... mais outras...enfim dezenas/ De pombas vão-se dos pombais, apenas,/ Raia sanguínea e fresca madrugada./ À tarde, após a rígida *nortada,/ Elas de novo aos pombais serenas,/ Ruflando as asas, sacudindo as penas,/ Voltam em bandos e, em revoadas./ Também dos corações onde abotoam,/ Os SONHOS, um por um, céleres voam,/ Como voam as pombas dos pombais./ No azul da adolescência de asas soltas,/ Fogem... mas aos pombais as pombas voltam,/ E eles, aos corações não voltam mais.”
“As Pombas.”
Raimundo da Mota Azevedo Correia.
* Nortada. (vento frio que sopra do norte.)
(Sublinhado em “SONHOS” e “Eles”, é meu.
(*) Odontólogo; ex-professor universitário