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Esquecimento

Gilberto Caixeta
gilcaixeta@terra.com.br
Publicado em 24/01/2012 às 23:38Atualizado em 17/12/2022 às 07:58
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Às vezes, dependendo da idade, somos arrastados para os labirintos das recordações da juventude, esquecendo-nos nas esquinas do presente. As lembranças pretéritas tornam-se tão nítidas como se estivessem ao alcance das mãos. O tempo torna-se passado sempre e o presente se substancia em nuvens manchadas de lembranças. Paradoxalmente, o presente vivido é esquecido, porque não há lembranças a serem recordadas ou esquecidas. O tempo se esvai degustado pela vida. Há outros, aqueles que não veem beleza em nada e, logo, logo, voluntariamente, estão partindo. No entanto, eles são a exceção, porque a regra é querer ficar. Alguns chegam a pensar num eterno regresso. Neste caminhar de vida, vamos ajuntando gente... Aglutinamos pessoas que cresceram, envelheceram, encorparam, murcharam... Nada disso é problema, podemos nos medir pela coleção de amigos que temos, a não ser quando se está parado numa fila qualquer e alguém nos cumprimenta. “Oi! Tudo bem”? Aí se responde com aquele sorriso meio amarelo, meio sem jeito, porque não se sabe ao certo quem é aquela pessoa que nos cumprimentou. Talvez uma vaga lembrança, mas não se sabe se ela compõe o rol da desarmonia ou não, nos ronda. Ou se ela é realmente uma pessoa conhecida sua. Até que o interlocutor quebra o gelo e diz o nome de sua filha, ou de seus pais e pergunta por eles. Você a olha com um sorriso alargado nos olhos, mas a sua voz é de constrangimento, porque não se sabe quem é aquela pessoa que conversa com você. Prefere-se responder as perguntas a formulá-las. Até que a pergunta que não se quer ouvir é formulada: “Você se lembra de mim, né?”. “Claro que sim”, você responde, por cortesia. A interlocutora, por maldade ou por displicência, formula a pergunta derradeira ao voluntário do esqueciment “Qual é o meu nome?” “Ou, de onde você me conhece!” Pronto, você está preso às teias do tempo e pode desagradar, se não souber responder. Busque, então, na memória aquele rosto que imagina que você jamais o esqueceria. Existem pessoas discretas, que evitam esse tipo de constrangimento, mas há aquelas que se sentem ofendidas porque caíram no esquecimento. Entendem que é pouco caso seu esse esquecimento e ficam ali torturando-o para que se recorde. Que situação é essa. Desmemoriar-se é temível, não esquecer é sofrimento sempre. Há que se ter o meio-termo. Então, se você caiu no esquecimento de alguma pessoa, conforme-se com o fato e seja o mais discreto e prudente possível ao reconstituir as lembranças em seu interlocutor. Vai que ele se esqueceu de você porque não suportava mais as suas lembranças, ou por outra razão que você desconhece. Cautela é bom, ainda mais quando se pode viver o eterno retorno.

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