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Evódio a viu assim

Ela entrou na vida de Evódio por uma porta estreita, alargada pela solidão

Gilberto Caixeta
gilcaixeta@terra.com.br
Publicado em 25/01/2011 às 21:22Atualizado em 16/12/2022 às 06:23
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Ela entrou na vida de Evódio por uma porta estreita, alargada pela solidão. Seus olhos inexpressivos e vagos cederam à alegria do se lambuzar em calda de chocolate com morango. A boca sem beijos estalou num doce encharcado de salivas, irrigando a pele seca de desejos. Subiu-lhe um arrepio, assim, sem saber por onde começara e nem aonde terminaria.

O relacionamento anterior se constituiu de uma morosidade atávica, eram bichos preguiças abraçados sem gestos, sem criatividade no fazer, era o repetir de gestos. Ademais, a estabilidade desprezou os percalços do existir, criam que são assim os relacionamentos. São como quadros postos na parede, cujo cuidado é evitar as poeiras do tempo, retirando-as a fim de evitar o acúmulo de fezes do micromundo, porque o resto está seguro. Manter a rotina assegura o hábito, que nos carrega ao costume e nos enterra no vício.

‘Acostumados um com o outro, temos as nossas coisas juntas e, daqui pra frente, agora é cuidar do que se tem’. Assim os dias passam em nuvens sem chuvas desenhando bichinhos e fantasmas nascidos da solidão acompanhada. Às vezes, sentava a olhar o céu sem ver o sol, e nem a lua... Olhava. Tentava olhar a noite e se via em estrelas, de milhões de anos já não mais existentes. Ficava lá olhando o que não era visto, só a solidão deixada em mesa de café da manhã, no almoço e nunca em jantar.

Quando o telefone soou poderia ser mais um dos compromissos a serem cumpridos. Atendeu, mas era engano, enganou-se. Porém, pensou: “Que voz deliciosamente sonora”. Aquela voz harmoniosa entrou em seu ouvido, com a musicalidade ilusória da solidão. Deixou o celular sobre a mesa, e continuou a fazer o que não tinha que ser feito. Olhou-o, atraído. Apertou a tecla das chamadas recebidas, e lá estava o número. Pensou em teclar o númer “Assim poderia ouvir um pouco mais aquela voz”. Cedeu ao instinto e chamou ao desconhecimento. “Quem fala”, perguntou Evódio. “Com quem você gostaria de falar?” “Estou com esse número na memória do meu celular, e gostaria de saber quem é”. “Nós já nos falamos, e era engano, lembra-se?” “Não havia esquecido, só queria ouvi-la novamente”.

Estranha essa atitude de gostar de uma voz que, por acaso, ligou por engano. Talvez o acaso seja igual ao acomodar; chega sem se perceber. Ou a tristeza. Prefiro pensar na oportunidade que o acaso nos dá. “Qual é o seu nome”? “E o seu?” “Podemos conversar em outros momentos?” “Talvez, esporadicamente, porque estou achando tudo isso muito estranho. Já vi falar em relacionamentos pela internet, mas de numa ligação equivocada nunca ouvi falar.” “Quem sabe falaremos sobre isso um dia”. “Calma, primeiro tenho que acreditar, porque pelo visto você já está acreditando.” “Espero que não seja por solidão, porque ela cria fantasmas que não conseguimos nos livrar.” Porém, combinaram o encontro.

(*) professor

    

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