Gostava de um carteado tanto quanto jogar no bicho. Toda manhã, analisava o seu sonho. Quando não conseguia, buscava num amigo a interpretação e, assim, fazia a sua fezinha no jogo de bicho. Tinha nisso uma regularidade beneditina. Nem podia imaginar que isso era ilegal, afinal, ele sempre conferia o resultado pelo rádio. Como algo ilegal pode ser anunciado publicamente? E, mesmo que soubesse, não abriria mão de fazer a sua fezinha.
Gostava também de um carteado, que era a sua magia de ganhos, que nem sempre vinham a contento, porém, não deixava de frequentar as rodas de carteado existente. Podia escolher: as do centro ou as dos bairros; as dos bares ou das residenciais. Preferia as dos bares, onde a freguesia era simples e as rodadas não eram altas. Jogava, então, baralho, no bicho, fazia bolão lotérico, comprava rifa, jogava palitinho – porrinha – valendo cerveja, sinuca com os amigos, comprava bilhete das loterias federal e mineira, comprometendo, assim, todo o dinheiro que ganhava, ora num jogo ora noutro. E, às vezes, de forma mais constante, nunca ganhava. Dizia que a maré não estava pra peixe. Que a sorte habitava outros caminhos que não os seus.
Quando começava a semana acertando o bicho na cabeça, o resto dos dias da semana transcorria serenamente; ganhava na porrinha, no carteado, as bolas caíam facilmente nas caçapas, o bolão raspava o travessão. Tudo dava certo. Ao ouvir o resultado do jogo do bicho, pelo rádio, havia acertado o bicho na cabeça. Quebrei a banca; pensou otimistamente. Por conta disso, passou na loja e comprou a calça de seus sonhos; uma jeans Lee. Era a calça de seus sonhos e que somente a classe alta – a elite – tinha acesso. Ou porque importaram, ou porque têm dinheiro o bastante para bancar essa peça de guarda-roupa que diferenciava o pobre do rico, os possuídos dos despossuídos, os elegantes dos deselegantes. Encontrava jeans Lee somente em lojas de grife, até elas serem desbancadas pelas sacoleiras de Miami e, mais tarde, pelas sacoleiras de São Paulo. Mas, naquele dia, ele havia comprado a sua jeans na loja. Vestiu a calça e ela entrou como uma luva, dispensando o fazer de barras. Vou levar – informou à balconista de olhar incrédulo àquele pobretão que adquiria uma Lee. E lá foi ele com a sua velha calça debaixo dos braços, enquanto desfilava com a nova.
Tomou o rumo da casa de jogo e, ao entrar, foi logo avisando aos adversários de carteado que a sorte estava do seu lado. Sentou e jogou até perder tudo, não tinha mais nada no bolso. Olhou para a calça nova e a vendeu, prosseguindo no jogo. Jogou e recuperou todo o dinheiro que havia perdido. Olhou para o credor que havia adquirido sua calça e disse: Quero comprar a minha jeans de volta. Tudo bem – disse o credor –, desde que você pague. E ele perdeu a calça Lee, porque nem pelo dobro do preço o credor quis devolvê-la.