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Feriado fora de foco

Inicialmente, relutei, mas acabei cedendo. Não queria comentar as justificativas favoráveis ou contrárias à lei municipal, sancionada...

Gilberto Caixeta
gilcaixeta@terra.com.br
Publicado em 03/08/2018 às 10:18Atualizado em 20/12/2022 às 13:49
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Inicialmente, relutei, mas acabei cedendo. Não queria comentar as justificativas favoráveis ou contrárias à lei municipal, sancionada pelo prefeito, que instituiu o dia 20 de Novembro como feriado. Não discuto, neste espaço, se há ou não racismo no Brasil ou se as perdas históricas da escravidão abraçam negros e pardos atualmente, e sim as justificativas contrárias e favoráveis ao feriado, que se igualam por serem vazias.

Essa ideia de que o feriado alusivo à consciência negra é uma forma compensatória à época em que os negros foram escravos no Brasil não tem sustentação. Primeiro, porque a escravidão é uma criação européia que nós, brasileiros, tivemos que nos livrar dela. Esse malefício, que atingiu negros, índios e italianos (parceria), consubstanciou-se em preconceitos e racismo, perpassando as relações étnicas, de gênero, de credo, de opção sexual e outras contidas no imaginário social, atual. Feriado não é ressarcimento. Este se faz com dinheiro ou com políticas públicas e privadas focadas nas linhagens ascendentes escravas, e, para que seja justa, é necessário um levantamento genealógico desses descendentes de escravos. Depois, calculam-se as perdas herdadas, como a indústria das indenizações faz aos que resistiram e foram torturados durante a ditadura de 64, para ressarcir toda a árvore. Independentemente de ele ser negro, branco, pardo, se a premissa do raciocínio é válida, o seu resultado estará correto, não sei se justo.

Descreio de qualquer avanço social ou econômico advindo de feriados. Eles são culturais, têm propósito meramente ideológico, cuja justificativa interessa aos setores que os institui. Tornam-se irrelevantes as comparações ou juízos morais se aquele feriado é necessário ou não, porque ele interessa a quem o instituiu e traduz a organização deste segmento em torno do poder, sem sê-lo. Todavia, o feriado de 20 de Novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, em  memória ao líder Zumbi, não elevará os índices educacionais, não promoverá uma melhor distribuição de renda, não erradicará as relações preconceituosas e muito menos melhorará a autoestima de crianças negras por requererem estratégias apropriadas.

Feriado é imposição de uma minoria sobre o coletivo, não representa benefícios diretos, exceto o lazer para aqueles que não vivem de comissão ou de trabalho planejado. Quem ganha é o assalariado. Há perdas econômicas em feriados, não justifica condená-los. O excesso, sim, por isso a limitação de seu quantitativo feita pelos legisladores.   

O número de municípios no Brasil que instituiu o feriado é pífio em relação ao todo, no entanto, altamente significativo ao pontuar a organização do movimento negro em torno da causa, que deixou de ser nos guetos e passa a ser pública e privada no seu todo.

Os diagnósticos socioeconômicos de negros, pardos e brancos, as diferenças de remuneração entre homens e mulheres, a falta de acessibilidade devido às barreiras arquitetônicas e os baixos índices escolares apontados pelo Ideb ou pelo Simave demonstram a relevância dos temas; feriado não se inclui. Mas, às vezes, prefere-se o espetáculo ao protagonismo. Sãos os estereótipos se repetindo inconscientemente.

(*) professor

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