Evódio passou a mão sobre o móvel e a poeira grudou em seus dedos
Evódio passou a mão sobre o móvel e a poeira grudou em seus dedos. Pensou na ausência e teve a sensação de que o movimento do tempo se acumulou em poeira; limpá-la não a arredaria de si. Cada coisa tem o seu próprio tempo, retirando-lhe a perenidade. Não havia respostas para as indagações, porque pouco sabia de si e do tempo. A única certeza naquela manhã é que não trabalharia. Desceu até o centro da cidade, parou no estacionamento particular onde se lia: $2.00 a hora ou fração. É o tempo a mensurar os negócios; dizem que tempo é dinheiro.
Ao chegar ao banco, a fila era interminável. Tempo passando sem que nada pudesse exercer, exceto a paciência e aguardar para ser atendido.
Depois se dirigiu à farmácia, que há ali no centro. Ela estava abarrotada de gente. Ou estamos doentes ou o fechamento das farmácias de bairro sobrecarrega as farmácias centrais. Novamente o exercício da espera. Mal saiu da farmácia, foi pego de supetão por uma cigana que dizia ser vidente. Posso ler a sua mão? É um minutinho só! Evódio agradeceu sorrindo. Ela insistiu, até o intimidou lançando seu corpo à frente do dele e, novamente, ele recusou, mas teve tempo de ouvir a cigana blasfemar contra o seu dia.
Evódio firmou o pensamento e rumou para o estacionamento, onde deixara o seu veículo. Entregou o comprovante e ouviu o valor: $4,00 (quatro reais). Como? Se eu fiquei 1hora e 10minutos! Inquiriu arrematando; deveria ser $2,00 reais, mais dez minutos de 1 hora, ou seja, $2,30 (dois reais e trinta centavo), no máximo. Meu carro não ficou duas horas no estacionamento! O atendente inflexível ao raciocínio asseverou: são $ 4,00 reais. “Não cobramos a fração e sim a hora, mesmo inconclusa.” Evódio inconformado, argumentou: “os bancos têm 15 minutos para nos atender, uma aula tem 45minutos, existe fração no tempo, o melhor exemplo é o cronômetro nos relógios. Não vou pagar os 50 minutos não utilizados no estacionamento, afirmou o cliente fracionado pelo tempo”. Como resposta recebeu um desdenhoso sorris “não sou o dono”.
Evódio cedeu por puro desejo de não se irritar. Há leis que regulamentam os estacionamentos particulares obrigando-os a ter uma entrada e saída distintas; ter luzes de alerta e sirene avisando que há saída de carro, mas nada disso é cumprido, o desejo é unicamente o acumular. Afinal, os que legislam também têm o seu tempo de mandato, que se expira na fração ou no inteiro do tempo. Evódio, então, resolveu dar uma volta no quarteirão para sentir o tempo passar sem acumular poeiras em seu interior. Antes se certificou de que estava em sentido contrário ao da cigana.
(*) Professor