Sou bom leitor da Gê Alves, mistura interessante de colunista e cronista do nosso Jornal da Manhã. Nestas circunstâncias, a Gê mistura assuntos de toda classe, desde as necessárias atrações políticas até temas mais pesados e de maior responsabilidade para Uberaba. Misturas, já dizia minha santa mãe, podem ser perigosas em sua indigestão, provocando vômitos ou coisa pior se passam para a rodovia inferior, que fede e envergonha.
Neste domingo, a Gê Alves publicou um comentário que intitulou “do leitor” – anônimo em sua coluna. Desculpe-me, Gê, mas tenho que me manifestar pela indelicadeza e desconhecimento ali demonstrados. Começa pelo “esqueleto do que seria um hospital” – coisa de que fiz parte e conheço bem. Isto aconteceu há mais de trinta anos, Gê, e foi mais um sonho do maior nome da nossa medicina naquela época: o dr. José Humberto, meu irmão. Aquele “esqueleto” foi o ponto de partida do que seria um grande hospital, aliás, projeto do arquiteto eminente que foi Jarbas Karman. Um grupo de médicos associou-se, surgiu o seu esqueleto e planificação dos pisos hospitalares no terreno – lá estão até hoje. Por que parou? Simples, os hospitais particulares não recebiam apoio nem empréstimo governamental. Pelo contrário, Gê, recebiam o SUS com a sua exigência de atendimentos a preços indignos.
Não vou prosseguir, mas praticamente quase todos os hospitais privados quebraram. De passagem, cito o excelente Santa Cecília, Santa Helena, São Paulo, São Francisco, etc. Ainda hoje, os preços pagos na saúde estatal são indignidades que nem os hospitais de caridade e isenções suportam. Gê, vá visitar o Helio Angotti e a Beneficência Portuguesa...
Voltemos lá atrás, no seu esqueleto. O São José entendeu a inviabilidade do seu projeto, depôs as armas antes de ser fuzilado. Foi atender SUS a dois reais a consulta, e o resto quase quebrou. Sobreviveu pelo nosso esforço, e ainda mantém com sacrifício o serviço e atendimento da hemodiálise, porque se ela parar o seu doente morre. Aquele esqueleto, Gê, é estigma de uma era e um sonho.
Agora, Gê, a área está vendida, não apenas para um possível shopping, mas para um grupo de grandes investimentos. Não procure assustá-los com a história da fedentina e esgoto a céu aberto. Visite o projeto Água Viva, verá que ali estará a captação e passagem de todas as nossas humanas sujeiras. O fedor já vem diminuindo, Gê, o projeto em trânsito vem das cabeceiras para baixo. Ali está um jardinzinho da prefeitura, à sombra das árvores preservadas. Ali estará um terminal de ônibus. Em frente e do lado oposto estará a nova Universidade, acontecimento dos maiores para Uberaba. O mato que capinamos duas vezes ao ano é de um verde lindo e limpo como a nossa natureza, é enfeitado por grandes árvores ecológicas. Não diga que o grupo empresarial que o comprou caiu em armadilha ou ignorância. É gente séria e experimentada, estão olhando “lá na frente”. E os moradores regionais esperam mais um pouco pelas valorizações inevitáveis, de origem governamental e privada. Eu sou velho, Gê. Na minha infância pesquei lambaris no córrego da Leopoldino, a céu aberto, ali em frente ao prédio dos Correios. Quem sabe você venha a ter a minha sorte, e em futuro dizer: que parque e tantas coisas lindas enterraram aquela notícia ruim da nossa história?
Nota da colunista. Reconhecidamente admirável, sábio e culto, o uberabense João Gilberto Rodrigues é também um empreendedor de primeira grandeza, um médico dedicado. No segmento hospitalar eu diria, um guerreiro. Tenho muito orgulho em tê-lo como leitor de Umas & Outras. De forma, Dr. João Gilberto que coaduno com suas posições. Divido, como cidadã, como jornalista, da sua visão sobre os maus tratos governamentais com a saúde e a derrocada de um ‘sonho’ que com certeza não era seu apenas como empreendedor, mas de toda uma sociedade ávida por mais estrutura no segmento hospitalar, mas que, na contramão, como relata, conviveu com a triste quebradeira de hospitais. O SUS, um modelo bonito, mas talvez mal construído, sabemos todos remunera mal, pessimamente. Em contrapartida o número de seus dependentes aumenta e, por conseguinte as dificuldades para a manutenção de atendimentos por parte dos conveniados. Quanto ao empreendimento que se instalará na área, naturalmente, Dr. João Gilberto, não há, jamais, intenção da colunista ou do leitor, ‘barrar’ investimentos, ao contrário, os louvo, sempre, mas, por outro lado, não podemos tapar com a peneira um problema que existe, que não é novo, que incomoda. A vontade, o desejo, dr. Gilberto é muito ao contrário. É que paralelo ao empreendimento, venham benfeitorias há tanto aguardadas. Como os hospitais conveniados ao SUS enfrentam seus obstáculos para se manterem de pé, guardadas as devidas proporções, o que o cidadão manifesta é sentimento parecid de luta, de busca, de sonhos e expectativas e, não raramente, de frustrações.
PS: Não pesquei lambaris, mas me lembro bem do córrego a céu aberto da avenida Leopoldino de Oliveira e espero, sim, Dr. João Gilberto ter, cada dia mais, motivos para comemorar, poder contar ou pelo menos testemunhar o enterro de notícias ruins para nossa história. (Gê Alves)
(*) médico e pecuarista