O Presidente Lula, aconchegado nos noventa e três por cento de aprovação popular (setenta por cento de ótimo mais vinte e três por cento de regular), incita o povo a gastar.
O Presidente Lula, aconchegado nos noventa e três por cento de aprovação popular (setenta por cento de ótimo mais vinte e três por cento de regular), incita o povo a gastar.
Alega que é bom o povo comprar, comprar, comprar, pois este gesto de cada brasileiro será um reforço para a nossa indústria, que continuará produzindo, manterá os empregos atuais e até criará novas vagas de trabalho.
Os institutos de pesquisa saíram a campo e verificaram que setenta e seis por cento dos brasileiros estão gastando como nunca. Está sendo atendido, pois, o pedido do Presidente. Aliás, nem precisaria ter o Presidente feito tal apelo, que já há algumas pessoas gastadoras por excelência.
Houve um tempo, entretanto, em que o governo incentivava o povo a poupar. O compre-gaste-e-se-endivide de hoje passava ao largo e o povo era convidado a poupar, poupar e poupar. Quem poupa, tem.
Gastar sem medidas é uma indubitável forma de arranjar dor de cabeça, principalmente quando o gasto é feito na base do cartão de crédito, com juros altos, ou em cima de empréstimos, também de juros nada amigáveis. E há gastos feitos, ainda, em suaves e infindáveis prestações, que tornam o produto bem mais caro do que se comprado à vista, com recursos de poupança.
Chegará a hora da reflexão, embora tardia, quando o gastador perguntará baixinho a si mesm “Onde é que eu estava com a cabeça quando fiz este negócio?”
Voltemos ao tempo das fábulas. A cigarra, no verão, passava dias e noites apenas cantando. A formiga, ao contrário, recolhia folhas, poupava e acumulava boa reserva de alimentos, precavendo-se para o inverno. E o inverno que se seguiu àquele verão foi rigoroso. Alimento algum restou nas árvores. Assim a cigarra se viu obrigada a pedir auxílio à formiga. A formiga, então, perguntou à cigarra o que ela fizera no verão. “Cantei!”, disse a cigarra. “Pois agora, dance!”, retrucou a formiga. Essa versão da fábula da cigarra e da formiga cabe bem nos dias de hoje. (A cigarra desta fábula não é a mesma da outra versão, que apresenta uma cigarra firmemente dedicada à música, uma cantora tão esmerada, que se tornou capaz de viver do próprio ofício.)
O fabulista, naquela versão, incita o povo ao trabalho, indica a importância de guardar para o futuro e, o melhor, mostra como aproveitar o tempo, naquele contexto, de forma promissora. Levar a vida na flauta, em tempos de vacas magras, pode não ser a melhor opção (se não se quer ser um músico dedicado).
Quem guardou, quem acumulou, quem preservou e poupou, garantindo reservas financeiras, pode, sim, aceitar o convite do Presidente e ir às compras. Dessa forma, já estará ajudando a economia do país. Porém, seguindo a idéia do fabulista, aprecie com moderaçã não se endivide. Parece que, ao contrário do que o Presidente proclamou, não é marolinha o que está vindo por aí na economia, mas um maremoto.
(*) membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro