ECONOMIA DO CRIME

Facções criminosas lucram R$ 61,5 bilhões no mercado de combustíveis, 4 vezes mais que no tráfico

Movimentação financeira de grupos criminosos em grupos econômicos como bebidas, extração de ouro e cigarros movimentam R$ 146 bilhões

O Tempo/Simon Nascimento
Publicado em 14/02/2025 às 07:36Atualizado em 14/02/2025 às 07:37
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As fraudes no setor de combustíveis geram perdas fiscais de até R$ 23 bilhões anuais, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. (Foto/Flavio Tavares/O Tempo)

As fraudes no setor de combustíveis geram perdas fiscais de até R$ 23 bilhões anuais, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. (Foto/Flavio Tavares/O Tempo)

A atuação do crime organizado no setor de combustíveis no Brasil gera um lucro às quadrilhas quatro vezes maior do que no tráfico de cocaína anualmente. Organizações criminosas movimentaram aproximadamente R$ 61,5 bilhões, a cada ano, desde 2022, em uma infiltração completa em toda a cadeia, enquanto a venda do entorpecente gerou uma receita de R$ 15 bilhões a cada 12 meses. 

Os dados constam em um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgado nesta quinta-feira (13). A pesquisa mostrou que além dos combustíveis, a chamada ‘economia do crime organizado’ tem uma atuação intensa também na adulteração e comercialização de bebidas e cigarros adulterados, extração e venda ilegal de ouro na região da Amazônia. A presença nos setores gerou faturamento de R$ 146,8 bilhões anuais às quadrilhas, atestou o estudo. 

“O crime organizado vem se complexificando, sofisticando, profissionalizando e passou a explorar a cadeia de produtos, mesmo que legais, para auferir lucros exponenciais que geram receita para os crime organizado e ajudam a subsidiar, por exemplo, o tráfico de drogas e de armas”, atestou Eduardo Pazinato, associado sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e um dos coordenadores do estudo. 

O fórum atestou que 41,8% da receita de grupos criminosos têm origem no mercado de combustíveis, dentre todos os setores citados. A infiltração de quadrilhas já havia sido noticiada por O TEMPO, no ano passado, com o comando de mais de 900 postos de combustíveis no Brasil sob o poder de facções. Desta vez, porém, a pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública observou um impacto mais profundo. 

“No caso dos combustíveis, essa cadeia criminal se desenvolve de maneira bastante complexa na adulteração de combustíveis, roubo de cargas e dutos, bombas fraudadas, postos piratas, empresas de fachada e vendas sem emissão de nota fiscal. Em toda a cadeia de valor do combustível há infiltração do crime organizado”, completou Pazinato. 

O pesquisador afirmou que a lavagem de dinheiro é feita por meio de empresas fantasmas, que também servem para sonegar impostos. “As fraudes no setor geram perdas fiscais de até R$ 23 bilhões anuais, com 13 bilhões de litros comercializados ilegalmente em 2022”, diz o estudo. O volume de combustível comercializado, usado em grande parte para abastecer aviões e veículos utilizados em atividades de garimpo ilegal, seria suficiente para abastecer toda a frota do Brasil por três semanas, atestou a pesquisa. 

Para Eduardo Pazinato, há falhas fiscalizatórias no Brasil que facilitam a presença em massa de bandidos em setores econômicos. Além de aprimorar aparatos para o chamado 'follow the money', para seguir o dinheiro movimentado ilegalmente, o pesquisador defende um trabalho de inteligência para rastrear os produtos de origem criminosa. 

"O Brasil avançou no aperfeiçoamento de mecanismos de rastreamento para combater a lavagem de dinheiro, mas apesar de necessário, ainda não é o suficiente para fazer frente a essas novas fronteiras do crime organizado, cada vez mais sofisticado, e em mercados altamente lucrativos. Só rastrear o dinheiro é insuficiente para fazer frente às novas fronteiras econômicas do crime organizado no Brasil", sugeriu Pazinato.

O que diz o setor?
O presidente do Instituto Combustível Legal (ICL), Emerson Kapaz, cravou que cálculos da entidade apontam para R$ 30 bilhões em sonegação fiscal, fraudes operacionais e desvios de recursos. “E isso é só o que o governo e a sociedade perdem, e o desafio é saber é quanto eles podem ter de resultado porque esse sistema não fica só na beira do posto, ele vai do poço ao posto”, relatou. 

Kapaz denunciou que há atuação de grupos na operação de fintechs, máquinas de cartão de crédito em um sistema financeiro chamado de ‘paralelo’. “Não à toa eles têm olhado para o setor com um interesse muito grande. Tomaram uma dimensão arrasadora”, frisou. O presidente do ICL criticou liminares que permitem o funcionamento de empresas envolvidas em operações criminosas, mesmo com dívidas que chegam a R$ 10 bilhões. “Esse valor vai para a dívida ativa e elas continuam operando”, completou. 

Para o presidente do ICL, uma saída ao problema seria a aprovação do Projeto de Lei do Senado 284/2017, que está parado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa desde 2023 aguardando uma audiência pública. O texto, da senadora Ana Amélia (PP/RS), prevê a interdição de estabelecimentos em virtude de dívidas fiscais. 

A reportagem questionou o Ministério da Justiça e Segurança Pública sobre o combate às operações criminosas nos setores econômicos. Em nota, a pasta informou que trata o enfrentamento ao crime organizado no Brasil como ‘prioridade’. Em 2023 e 2024, operações da União apreenderam 51 milhões de maços de cigarros, 6 milhões de litros de óleo lubrificante, 514 mil litros de diesel, 232 mil litros de gasolina de aviação, 122 mil litros de gasolina, 231.582 unidades de cervejas, dentre outros produtos retirados das mãos de quadrilhas.  

“A Coordenação-Geral de Operações Integradas e Combate ao Crime Organizado (Cgoi) conta com várias frentes de trabalho voltadas para o enfrentamento do crime organizado, em todas as modalidades, envolvendo instituições federais e estaduais”, diz o Ministério, ao citar redes nacionais para enfrentar o narcotráfico e organizações criminosas que, por meio de operações, já fizeram apreensões que somam mais de R$ 1,4 bilhão de prejuízo ao crime organizado com o recolhimento de drogas e armas.  

 A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) disse que busca prevenir e combater as irregularidades no setor por meio da regulação e fiscalização. A ANP citou ações de inteligência com fiscalizações e parcerias com órgãos públicos para identificar fraudes, autuar e interditar empresas irregulares. 

"Quando a ANP identifica indícios de ação coordenada de agentes e grupos econômicos que extrapolem o seu campo de atuação, as informações são encaminhadas aos órgãos competentes e a ANP se coloca à disposição para cooperação nas investigações, bem como participa ativamente de operações em cooperação com outros órgãos fiscalizadores, com competências complementares", argumentou a agência

O Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo no Estado de Minas Gerais (Minaspetro) detalhou que o problema consiste em três fraudes: volumétrica, em que o posto entrega menos combustível do que o pago pelo cliente; sonegação e adulteração. "As três práticas podem ser coibidas em parceria com o consumidor, que pode pedir teste volumétrico ao frentista, exigir o cupom fiscal na hora do abastecimento e solicitar também o teste de qualidade básico dos combustíveis", enfatizou.

Ainda segundo o Minaspetro, o mercado irregular no mercado de postos preocupa e tem causado a falência de empresários, especialmente nas regiões do Sul, Noroeste e Triângulo mineiro. "Para sensibilizar e orientar os motoristas contra essas práticas, no ano passado, o Sindicato realizou uma forte campanha publicitária para mostrar que ao cliente que preços muito abaixo do mercado pode ser um problema e que, em caso de desconfiança, o cliente pode sempre exigir o cupom fiscal", finalizou o sindicato. Questionada, a Petrobras não se manifestou. 

Impactos a outros setores
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública calculou que cerca de 38% da produção de ouro no Brasil entre 2015 e 2020 tem fortes indícios de ilegalidade. A movimentação criminosa chega a R$ 40 bilhões, com impacto direto para áreas de proteção natural e terras indígenas. 

"Os “narcogarimpos” conectam os garimpos ilegais ao tráfico de drogas e armas, compartilhando insumos como mercúrio, combustível e maquinário pesado. Operando em regiões remotas e com fiscalização limitada, esses grupos utilizam os lucros do ouro ilegal para financiar outras atividades ilícitas", diz o estudo. 

No setor de bebidas, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública associou o desligamento do Sistema de Controle de Produção de Bebidas (Sicobe) a um apagão de dados sobre o mercado ilegal de bebidas. A estimativa é de que as perdas tributárias cheguem a R$ 72 bilhões em 2022. “Entre 2019 e 2023, o volume de bebidas ilegais apreendido foi equivalente ao consumo durante o Carnaval do Rio de Janeiro, um dos maiores eventos do mundo. No mesmo ano, o mercado ilegal movimentou R$ 56,9 bilhões”, atestou a pesquisa.

Já para o setor de cigarros, o estudo apontou que 40% do mercado nacional é composto por produtos ilegais, resultando em um prejuízo fiscal de R$ 94,4 bilhões em 11 anos. “Embora o sistema Scorpios tenha trazido avanços no controle de produção e rastreamento, ele precisa de melhorias para enfrentar a apropriação da cadeia de valor por facções como PCC e milícias, que controlam a distribuição em nível territorial. Esse domínio fortalece o crime organizado, fragiliza a arrecadação e exige maior integração entre os órgãos e agências de fiscalização, regulação, segurança, justiça e defesa nacional”, salientou. 

Fonte: O Tempo

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