Data é exemplo de apropriação econômica, segundo professora de história; entenda o conceito
Natal se tornou uma das maiores datas comerciais do varejo ao longo do tempo (Foto/Laura James/Pexels/Reprodução)
Em 2024, como é habitual, dezembro tem sido uma mistura de chuvas fortes e calor intenso em Belo Horizonte. Nos shopping centers, em lojas de decoração e na casa de algumas famílias, porém, parece pleno inverno, com pinheiros nevados e Papais Noéis de casacão felpudo. Mas como, mesmo em um país tropical, a maior celebração cristã se tornou tão carregada de símbolos da estação mais fria do hemisfério Norte?
A origem religiosa e espiritual do Natal precede o cristianismo, tanto é que a data exata em que Jesus nasceu não é um consenso. Há muitas teorias de que sequer teria sido em dezembro, e a data foi citada pela primeira vez mais de 200 anos depois de quando acredita-se que ele tenha nascido, segundo a enciclopédia Britannica. Festas pagãs em dezembro foram incorporadas pelo calendário cristão da antiga Roma e, aos poucos, a ideia de que Jesus nasceu nesse mês foi se tornando um consenso.
A figura do Papai Noel também bebe da religião. Ele é uma mistura: um pouco de São Nicolau, santo católico do século 4 tipicamente representado com uma veste vermelha, e um pouco de tradições europeias. A imagem atual do Papai Noel começou a ser popularizada em uma revista norte-americana no século 19, a Harper's Weekly, em desenhos do cartunista Thomas Nast.
Até que, em 1931, a Coca-Cola começou a utilizar o Papai Noel massivamente na publicidade. Ela não criou a imagem do Bom Velhinho ou foi a primeira a vesti-lo de vermelho, mas foi uma das grandes responsáveis por transformá-lo em um símbolo essencialmente norte-americano, comercial e disseminado pelo mundo com um toque de capitalismo.
Natal: uma história de apropriação econômica
Hoje, até países com pouca concentração de cristãos, como a Índia e o Japão, vivem o Natal de alguma forma. Na Índia, a data é feriado nacional. No Japão, os grandes centros se iluminam ainda mais com as luzes natalinas durante dezembro. “Não há dúvida de que o Natal é hoje uma data mais comercial do que simbólica. Aliás, isso acontece com todas as datas festivas, como Dia das Mães, Páscoa, Dia dos Namorados etc. Trata-se de um fenômeno de apropriação econômica, que é característico do capitalismo, e que visa transformar essas datas em fonte de lucro para a indústria e o comércio. A ideia é estimular o consumo — o que significa perder de vista o significado mais profundo desses eventos. E isso explica porque países que não têm uma tradição cristã celebram o Natal”, introduz a professora de história da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Adriana Romeiro.
Ela argumenta que a presença de símbolos do inverno do hemisfério Norte em um país tropical como o Brasil atestam a força desse imaginário. “Não podemos subestimar a eficácia das artes visuais, da fotografia, do cinema, da música e da literatura na produção desse imaginário europeu. E isso se estende também para a ceia natalina, com alimentos como o peru e o tender, que são pouco comuns na mesa do brasileiro. Ao contrário do carnaval, por exemplo, nós não conseguimos abrasileirar o Natal”.
Ela pontua que, para alguns pesquisadores, o Natal não foi abrasileirado porque foi comemorado com intensidade, primeiro, pelas classes sociais mais altas. Diferentemente do Carnaval, que se tornou uma festa popular e inegavelmente brasileira. “De qualquer forma, temos um jeito muito particular de comemorá-lo, seja na praia, na beira da piscina, degustando frutas tropicais, aproveitando o calor. De alguma forma, reelaboramos a forma de celebração, apesar de nos mantermos presos ao imaginário europeu tradicional. E esse processo envolve a apropriação e ressignificação cultural, o que faz com que a cultura seja dinâmica e criativa”, finaliza a professora.
Fonte: O Tempo