Quais são os limites da abordagem policial?

A crescente onda de violência policial em São Paulo tem gerado comoção e preocupação na sociedade, com registros alarmantes de abusos cometidos por policiais. Nas últimas quatro semanas, 45 PMs foram afastados de suas funções, e dois foram presos, acusados de abuso de autoridade e letalidade. Imagens chocantes, capturadas por câmeras de segurança e celulares, expõem agressões físicas, uso de golpes proibidos como o “mata-leão”, disparos contra pessoas desarmadas e invasão de domicílios sem mandado judicial.

Diante dessa situação, o governador Tarcísio de Freitas foi pressionado a reconsiderar sua posição sobre o uso de câmeras corporais nos agentes da Polícia Militar. Para a sociedade, entender os direitos dos cidadãos durante uma abordagem policial e os limites da atuação dos agentes se tornou essencial. A jurista Jacqueline Valles, mestre em Direito Penal e membro da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim), conversou com o jornal Hoje em Dia a respeito.

Quando a Abordagem é Legal?

De acordo com Jacqueline Valles, a revista ou busca pessoal só é legalmente justificada quando há a chamada "fundada suspeita". Essa expressão significa que os policiais têm uma razão objetiva e concreta para acreditar que a pessoa está portando algo ilícito, como armas ou drogas. A jurista destaca que a fundada suspeita não pode ser baseada em fatores subjetivos, como a aparência, cor da pele, endereço ou nervosismo da pessoa.

“A fundada suspeita exige uma base objetiva e não pode se fundamentar em critérios discriminatórios. Além disso, a simples fuga para o interior de uma residência não autoriza a entrada de policiais sem permissão ou mandado judicial", afirma Jacqueline.

Quais São os Meus Direitos Durante uma Abordagem?

Segundo a advogada, qualquer cidadão abordado pela polícia tem direitos garantidos por lei. É possível perguntar aos policiais o motivo da abordagem, solicitar a identificação dos agentes e, no caso das mulheres, pedir para ser revistada apenas por uma policial feminina. "A abordagem deve ser conduzida com respeito e educação. Não é permitido xingar, humilhar ou cometer qualquer tipo de violência verbal ou física", afirma a especialista.

Sou Obrigado a Dar a Senha do Meu Celular?

Jacqueline Valles alerta que, apesar de a polícia poder revistar pertences e veículos durante uma abordagem, não é permitido acessar o conteúdo de um celular sem um mandado judicial ou o consentimento da pessoa. "É comum ouvir denúncias de policiais exigindo a senha do celular para acessar o conteúdo. Isso é ilegal e a pessoa não é obrigada a fornecer essa senha", destaca a jurista.

Práticas Ilegais: 'Fishing Expedition' e Acesso Indevido a Celulares

A jurista também alerta para práticas ilegais recorrentes, como a invasão de residências sem justificativa legal, uma tática conhecida como "pescaria probatória", onde os policiais entram nas casas na esperança de encontrar algo ilícito. Jacqueline Valles lembra que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem anulado diversas provas obtidas por meio dessas ações abusivas. “Atitudes ilegais cometidas por autoridades policiais, muitas vezes por desconhecimento da lei, acabam colocando a perder investigações importantes e prejudicando a sociedade”, observa a especialista.

Treinamento Adequado e Regras Rigorosas para a Polícia

Embora exista uma diretriz nacional do Ministério da Justiça sobre como devem ser as abordagens policiais, cada estado tem seu próprio código de conduta. Em São Paulo, por exemplo, o golpe “mata-leão” é proibido pela Polícia Militar, como ocorreu em um caso no dia 1º de dezembro, quando uma mulher foi agredida com essa técnica. Outro exemplo de ilegalidade ocorreu quando policiais invadiram a residência de uma senhora de 63 anos, sem mandado judicial ou autorização dos moradores.

“Durante uma abordagem, o policial não pode fazer qualquer coisa. Existem regras rigorosas sobre o que ele pode e o que ele não pode fazer. A escalada da violência policial em São Paulo reforça a urgência de investir em treinamento adequado para as forças de segurança. Casos como esses não são aceitáveis, pois corroem a confiança na polícia e atentam contra a segurança pública”, conclui Jacqueline Valles.

Diante da crescente preocupação com abusos de autoridade e a violência policial, é essencial que a população compreenda seus direitos e saiba como agir durante uma abordagem, além de exigir a apuração e responsabilização dos envolvidos em práticas ilegais.

*Feito com informações do Hoje em Dia