Recebi a sua carta onde a sua alegria por completar 80 anos se transparece. 80 anos Pinhé, até é uma data bonita. Faz anos que passei por ela. Dentro do esperado, tudo em nós vai se diferenciando lentamente sem nos causar grandes estranhezas. Até mesmo as nossas manifestações afetivas sofrem diferenciações do quando de nossa mocidade. Neste exposto Pinhé, analise bem como é sábio esse ajustamento. Se nada mudasse, que horror!... Já pensou se os velhos se comportassem como os jovens? Quão ridículo seria assistir a dois velhos se beijando freneticamente como se vê nas novelas? Ainda bem que isso acontece nas novelas, mas falemos crescidos e não dessas coisas banais que apresentam por conceberem importantes. Sabe Pinhé, chego à conclusão de que o velho é um todo de recordações. De algumas, o bom mesmo é não recorda-las. Todos nós a cada aniversário, vamos chegando para mais perto das “Cucuias”. Registram os dicionários que “Cucuias” na linguagem do povo significa morrer. “Cucuias” pra mim, nada tem haver com a morte e sim, se refere ao lugar aonde chegamos bem desmanchados. De fato, lá chegamos assim mesmo porque tudo dentro de nós são órgãos que vão se envelhecendo, entrando em decadência. Com o tempo, não mais aguentando, nos levam realmente para as “Cucuias”. Somente os órgãos porque, o viver em si se enlaça noutro “Vigor” que não se Cansa e não Morre nunca. Creia nisso porque é bom. Voltando aos órgãos, aprendi na Embriologia, que dentre os demais, o coração é o que primeiro se forma. Está conosco desde os primeiros 20 dias de nossa vida intrauterina, quando éramos embrião com três milímetros de tamanho. É o órgão de maior atividade do corpo humano. Trabalha pulsando em média, 70 contrações por minuto. Descansa tão só nos momentos das contrações que são as sístoles. É o primeiro órgão que se forma, mas segundo a Medicina, também é o primeiro que morre. Sabe Pinhé, tenho que o coração não morre tão só pelo tempo vivido, pelo cansaço ou pela doença que lhe acomete. Morre também pelo pavor de uma resposta que lhe possa lancetar. — “Então doutor, eu estou com câncer?” — “Sim... A senhora está com câncer.” Assisti Pinhé, morrer no exato momento daquela resposta, um coração mais forte do que o meu de irmão. Uma Verdade dolorida que bem poderia ser uma Mentira piedosa, sem alterar a medicação específica e, deixar que o tempo lhe dissesse o que o coração não quis dizer. Depois daquele instante, aquele coração vencido debruçou sobre enorme tristeza dentro si. Dele, não mais uma só palavra se ouviu até o fim, quando cerrou os olhos e partiu. Em todos os momentos sem tirar de mim o olhar, fitava-me profundo parecendo querer gravar para sempre a fisionomia do irmão que ficava. Foi o último dos meus amores e levou consigo o que ainda de alegria me restava. Perdoa-me Pinhé, por terminar esta carta assim. Escreva-me depois dizendo como foi a sua festa. Estou lhe enviando duas garrafas de um vinho que gosto muito. Se também gostar, lhe mandarei outras. Recomendações a todos e, a você, grande abraço do amigo pelos 80 anos.
Uberaba, 08 de fevereiro de 2014
Therezo