Já lhes contei que vivi demais – na quilometragem da vida tem pouca coisa que ainda não vi
Já lhes contei que vivi demais – na quilometragem da vida tem pouca coisa que ainda não vi, vivi ou escutei. Tem uns caras que chamam isso de experiência, que é muito bom e et cetera e tal. Eu, de minha parte, chamo isto de besteira. Tirando alguma experiência em descobrir ligeiro um grupo de atacadistas do alheio – apelido simbólico dos malandros e vigaristas modernos – no resto a tal experiência tem pouca valia na vida hodierna, ou seja, atual.
Explico o hodierna porque o Dino “interpretou” esta palavra como inferno – deixa pra lá. No que interessa é que a experiência dos anos de vida parece-me igual à moeda brasileira: mirreis, cruzeiro (novo e velho) cruzado (também novo e velho) ou real (novo... ou velho?). Ou seja, experiência no Brasil também tem validade relativa ou efêmera (esta o Dino vai dizer que é coisa de fêmea!). Esta divagação temporal nasceu rápida e televisiva: chego da roça às seis da tarde.
Mal desligo o motor e a Cida com a Maisa correm pra ligar a televisão – hora da novela, tá muito boa, hoje o fulano vai beijar a fulana, o marido vai descobrir, o pau vai quebrar!... isto na novela das seis, que é do jardim da infância televisiva. A das sete engrossa, na das nove é só pena que voa: o marido corneado está comendo a vizinha que está dando pro chefe da empresa, porque sua mulher é safada e desgostosa, por vingança está tentando... o primeiro marido deste círculo.
Antigamente, dor de roda era ficar girando no brinquedo de cabra-cega. Hoje tem e aparece na TV cabra que não é cega, é muito esperta e “dadeira”, como disse o Dorival Caimi. No zoológico tem touro cornudo, dois viados e uma mulher machona. Caramba, como não assistir novela tão sensacional, que os viciados chamam atual e real? Para mim, que vim de tão longe, a dose é letal: jurei não ver novela, e vou passando bem.
Já me assustei, agora nem isto mais – vejo netos e netas emprenhados pela TV atual e seus escândalos. Pior, discutindo tudo sem escândalo, ou seja, numa vida normal. Vai daí que passo a entender a extensão enorme dos tentáculos desta televisão, cinema e teatro modernos. Anibal (nome inventado...) quer trabalho na fazenda de café, com casa, água, luz e perto da cidade. Vamos negociando, a mulher grita lá de dentro! Tem televisão? Se não pegar televisão, nada feito. É o Brasil. E vocês, que viajam: é o mundo?
(*) Médico e pecuarista