Ao longo das 361 páginas da edição brasileira de Memórias, Sonhos, Reflexões,encontramos passagens de fundo reencarnacionista, todas dignas de serem transcritas, mas a lógica recomenda que transcrevamos apenas as que julgamos mais expressivas, principalmente as das páginas 43-44, episódio em que ele se julgava “um velho que vivia no século XVIII, usava sapatos de fivela, peruca branca e tinha, como meio de transporte, uma caleça cujas rodas de trás eram grandes e côncavas e entre as quais o assento do cocheiro ficava suspenso por meio de molas e correias de couro. / Tivera antes uma experiência estranha: certo dia, quando habitávamos em Klein-Huningen, perto de Basiléia, um fiacre verde, muito velho, passara diante da nossa casa vindo da Floresta Negra. Era uma caleça antiga, como as do século XVIII. Assim que a vi, um sentimento de exaltação se apoderou de mim: ‘Ah, ei-la! É do meu tempo!’ — Tinha a impressão de reconhecê-la, era semelhante àquela que me transportaria! Depois, fui invadido por um sentiment écoeurant, como se eu tivesse sido roubado ou ludibriado no tocante ao meu amado outrora. O fiacre era um vestígio daquele tempo! É difícil descrever o que se passou comigo e o que me emocionou tão fortemente: uma espécie de nostalgia? Uma saudade? Uma reminiscência? ‘Era isso, era exatamente isso!’” Em seguida, o autor descreve outro incidente que fez com que ele se lembrasse do século XVIII, quando viu uma estatueta, na casa de uma tia, que estava ligada a um velho médico, Dr. Stuckelberger, “personalidade famosa da cidade de Basiléia.” “Ora, a figura do velho doutor” — prossegue — “tinha sapatos de fivela que reconheci estranhamente como meus ou semelhantes aos meus. Estava convencido disso. ‘Usei esses sapatos.’ Esta convicção me perturbara de um modo profundo. ‘Sim, eram realmente os meus sapatos!’ Eu os sentia ainda nos pés e não podia compreender essa estranha sensação. Como poderia pertencer ao século XVIII? Acontecia-me às vezes, datando, escrever 1786 em lugar de 1886 e isto era sempre seguido de um sentimento de inexplicável nostalgia.” Como o avô que nascera em 1795, viu que não poderia identificar-se com ele, que vivera no século XIX; concluindo, referiu-se a algo importante: “Há, com efeito, uma tradição irritante segundo a qual meu avô teria sido um filho natural de Goethe.” A foto que aparece na edição Pantheon Book é, a meu ver, convincente.