Celebrei mais um aniversário neste mês. Não conto o dia, porque vão pensar que é primeiro de abril. Nem conto a idade, pois vão pensar que é outra mentira. Apenas digo que foram muitos e muitos anos, o que me permitiu fazer uma revisão de muitos acontecimentos próprios da longa vida. De rápido e simples, conto que fui pescar traíras aqui na Shangri-lá, pertinho da cidade. Já não vou mais pescar com o Dino, na lagoa da Emendada. É longe, lá no Rio do Peixe – e o Dino é ainda mais velho do que eu. Mas – acreditem! – pescar traíras em final de tarde é excelente exercício mental para quem esteja em aniversário e revisões da vida. Melhor no silêncio e calma da lagoa, nem barulho de água corrente, nem companheirada, nem cervejada, nem piadas indecentes, porque quase todas eu conheço. Somente eu e o Chiquinho, meu gerente amigo, filósofo também da lagoa, ali mais adiante, de prosa só se eu provocasse, e não era dia disso. Também as traíras entenderam que aqueles momentos eram de recordações, nem beliscaram pra incomodar. Assim, pude rodar à vontade o filme do passado, aventuras, trabalhos, perigos, erros e acertos, o que Deus me deu e o que eu mesmo perdi. Experimentem isso algum dia, meus amigos de maior idade. Mas experimentem com cuidado, porque as lembranças muitas vezes são dolorosas, marcam mais do que as alegrias, que sempre achamos curtas e fugazes. Conto que, em tarde recente e pacífica, estávamos conversando borracha, eu e meu amigo-irmão Adib Jatene. Claro, falamos dos nossos passados profissionais, e medicina é a mais exigente das amantes... E eu lhe perguntei por que ele não escrevia o livro da sua experiência profissional, coisa que deveria ser um sucesso e uma herança para a juventude médica. E ele, calmo, me fez a mesma pergunta. Eram momentos de confidência, e eu usei da franqueza necessária: Adib, porque do meu passado médico o que me vem à lembrança, na maioria, são os casos tristes e os fracassos; as alegrias, muito menos – ou menas, como diria o Lula. Pois é, ele tomou fôlego de suspiro fundo e confidenciou: João, comigo é igual, não esqueço o que me aconteceu de ruim ou de desastre... ia ser um livro – ou dois – triste. Ali, na beira da lagoa, lembrei-me da nossa conversa, e, em particular, da minha vida. Quanta coisa, quantas aventuras, momentos de alegria, horas de sofrimento – e descobri um exercício que vou repassar para meus amigos. O importante, meus caros, é não se afogar. Afundar na lagoa tudo o que foi triste, deixando de fora e levando para casa o que passou de bom, e repassar aos outros essa lição aquática. Experiência não é necessariamente sapiência, aprendi ali. E, mais uma vez, lembrei Roberto Carlos – se chorei ou se sofri... o importante é que emoções eu vivi...
(*) Médico e pecuarista