Conforme se costuma pensar ou dizer, queiramos ou não, o ano brasileiro começa realmente só depois no carnaval. Aliás, podemos dizer que o que funciona mesmo com eficiência antes dessa festa, é o calendário de pagamento de taxas e impostos...
O carnaval, diga-se de passagem, é uma das poucas coisas em minha vida que não consegui ainda me decidir se sou contra ou a favor.
Por mais que eu tente, não consigo entender tanta paixão, tanto furor e tanta superficialidade. Por mais que eu queira, não consigo descobrir em que essa festa contribui para o crescimento interno de quem participa.
Observando as muitas entrevistas que são realizadas antes, durante e depois do período carnavalesco, fico com a impressão de que algumas pessoas passam o ano pensando no que poderão se transformar nessa festa. Reis, rainhas, musas, madrinhas e tantos outros cargos e funções de tão alta importância e evidência, mas que se acabam na quarta-feira.
Para alguns penso caber exatamente o samba de Benito Di Paula: “Ensaiei meu samba o ano inteiro / comprei surdo e tamborim / gastei tudo em fantasia / era só o que eu queria / e ela não foi desfilar para mim /... mas chegou o carnaval / e ela não desfilou / Eu chorei na avenida / eu chorei / não pensei que mentia / a cabrocha que eu tanto amei...”.
Se para muitos o carnaval é um período de realizações e glórias, para outros pode ser uma ocasião de sonhos desfeitos. Barracões pegam fogo. Fantasias se rasgam. Saltos de sapatos se quebram. Carros alegóricos emperram. Atrasos acontecem. As chuvas caem. Resultados não agradam. Bate o medo que impede de se ficar no lugar de destaque nas alturas e lá se foram os sonhos de um ano inteiro. E aí só resta chorar na avenida, como o autor da música.
Carnaval festa do povo. O mesmo povo que precisa de casa, de melhores escolas e de melhor assistência na Saúde, aplaude feliz os milhões que são gastos no brilho das fantasias que se transformarão em cinzas na quarta-feira.
Será que estas verbas poderiam ser gastas em bens mais duradouros? Sei que o povo precisa de festas e não sou contra elas, mas será que não seria melhor criar espaços onde jovens, adolescentes, adultos e idosos pudessem se divertir, descobrir e desfilar seus talentos o ano inteiro?
Espaços em que se pudesse desenvolver, criar, aumentar a autoestima e quem sabe, até reduzir a demanda por álcool e outras drogas, por exemplo?
Que me perdoem os carnavalescos, mas escrever essas reflexões me dá clareza sobre as dúvidas que aqui compartilho.