A beleza da democracia está no fato de podermos manifestar livremente e, de modo igual, ouvirmos o que precisamos ouvir. O leitor Sr. Sebastião Nunes em sua fala de 21/02/2014 nesta página, focalizando a estátua do andarilho “São Bento”, sentenciou: “Estátua do cidadão honesto não tem, para desocupados, HOMENAGEM! Agora aguenta”.
O autor da mensagem e uma gama de desinformados, pelo visto, julgam ser a estátua do andarilho “São Bento”, exposta na Pça. Dr. Jorge Frange, a causa da existência dos moradores dali e das ruas de Uberaba. Transcrevo a seguir a crônica concebida pelo jornalista Raul Jardim em alusão àquele inofensivo andante falecido em 08/06/1988:
“MORREU ‘SÃO BENTO’
Lá se foi o São Bento. Lembram-se? Quem não deu conta, em Uberaba, daquele ‘Negrão’ humilde, esguio, 1,90m, maltrapilho, maltratado, que fazia presença constante na rodovia BR-050, trecho Uberaba/Delta? Ele andava que andava no asfalto, imperturbável, sem se incomodar com o intenso trânsito daquela rodovia. De quando em vez, ele fazia o trajeto Uberaba-Ribeirão Preto, metade a pé e metade num ônibus da São Bento, de carona. Estamos falando de Francisco Ribeiro (como conseguiram sua identidade, não sabemos), mas a informação é do seu ‘amigo do peito’ Inspetor Madeira. O Negrão tinha um apelido, que muito bem o identificava e que certamente fará com que todos dele se recordem: São Bento. Ele bem que parecia um ônibus, tal a assiduidade com que fazia aquele trecho e a obediência do horário... com sol ou com chuva. Só aceitava carona do São Bento, daí o apelido. Não conversava com ninguém. Era um homem fechado. Não pedia nada a ninguém, mas nunca faltava quem lhe oferecesse um cafezinho, um cigarro, um almoço. Era comum vê-lo catando guimba (toco de cigarro). Os seus pontos preferidos para pernoite era a área debaixo da marquise do Uberaba Automóveis Ltda., na av. Fernando Costa, e outros. Era São Bento, talvez um dos últimos tipos populares de Uberaba. Restam muito poucos. Ele morreu no dia 8 deste mês, às 19h40, no Hospital Escola, para onde foi recolhido em péssimo estado de saúde. Aquele homem, que nunca soube o que é um par de sapatos, vivia sempre descalço, não teve quem reclamasse o seu corpo. Foi enterrado após 15 dias de permanência na ‘geladeira’ do IML de Uberaba. Acabou sendo sepultado como indigente. Que homem feliz não teria sido o São Bento, minha gente! Na sua mudez, na sua solidão, não sofria com as maldades deste mundo-cão, com a hipocrisia e insensibilidade de políticos, desconhecia este mal terrível que se chama inflação, vivia a vida a seu modo, com os pés descalços no asfalto molhado ou fervente dos dias de sol intenso. São Bento, na sua imensa pobreza e ignorância, deve ter sido muito mais feliz do que muitos arquimilionários. Pelo menos, podia dormir em paz... Está descansando, vivendo na sua derradeira morada, como sempre viveu: sem incomodar, sem pedir, sem esmolar, sem aborrecer a ninguém. Deixa uma saudade em todos nós, que nos acostumamos com a sua presença na rodovia, como um andarilho eterno, sem roteiro, sem ponto de chegada. Descanse em paz, querido São Bento.” Raul Jardim - Jornal Lavoura e Comércio - 24/06/1988.
Portanto, caro Sebastião Nunes, espero que o ilustre jornalista Raul Jardim, profissional exigente como era, tenha lhe mostrado as razões pelas quais “São Bento” mereceu virar estátua. Não por ser: desonesto, desocupado ou vagabundo, mas pela sua bondade.