Perdoar é mais do que uma arte, é uma virtude. A mais difícil de todas elas. O “outro” nos faz sofrer muito. Parece, às vezes, que a verdade está mesmo com Sartre: “L´enfer sont les autres” (O inferno são os outros). O inferno não está do outro lado. Na eternidade não há lugar nem tempo.
O tão caluniado “demônio” não é um espírito que entra dentro de nós e nos tira do caminho. Ele é de carne e osso. Está em toda parte. Em todos os ambientes. Se por um lado ele nos sugere coisas não muito dignas de um cristão, por outro lado ele nos irrita e faz com que percamos a paz interior. Justamente o que nos faz mais felizes na terra: a paz. Santo Tomás escreveu que “a paz é a tranquilidade da ordem”. Pois bem, é o outro que perturba o equilíbrio que nos proporciona a paz. É ele que desequilibra nossa vida, nosso interior. É ele que torce nossas palavras. É ele que põe maldade no que dizemos com reta intenção e inocência. Ele joga uns contra os outros. É inteligente, mas, muitas vezes, surge com aparência de burrice. Confunde alhos com bugalhos e inferniza sua vida. Ele não suporta a paz, a sua paz. É um chato que estraga seu relacionamento, a visita que você faz, sua distração, sem bem-estar. Ele se apresenta como juiz de seus atos, de suas palavras, estraga seu domingo, tira seu sono, atiça suas dores, dilacera seu coração. Ele é chamado de maligno. Outros o chamam de Satanás. Ou seria “Chatanás”?
O mundo está cheio dessa gente maligna cuja compreensão não vai além de seu calcanhar. Como diziam os latinos: “Ne supra crepidam sutor judicare” (Não queira, sapateiro, ir além de seu calcanhar).
Mas, o pior, o mais triste, o mais terrível é que eu posso ser um demônio na vida do outro. Com meus acessos de ira, com minha falta de compreensão e de tolerância, com meus comentários injustos, com minha falta de compaixão, com minhas injustiças, com minha falta de amor, com meu poder opressor. Quando interpreto mal os atos dos outros, eu me torno um demônio na vida de meu irmão, eu torno sua vida intolerável, eu roubo a paz que está no coração dele. Posso, com minha maldade, fazer da vida dele um inferno. É bom, vez por outra pensar nas contradições de nossa vida.
Somos cristãos, mas só de nome...
Padre Prata
Membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro
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