Hoje – como sempre – meu coração está cheio
Hoje – como sempre – meu coração está cheio. Carrega sentimentos misturados. Mas, especialmente hoje, ele é de uma lembrança a quem me amou antes de eu amar. Trouxe-me em ninho uterino, cedeu as mamas à minha fome e o seu coração às minhas incertezas. Suas mãos pequenas, mas grandes, alisaram-me em noites de febre com os olhos encharcados de lágrimas a banhar as minhas inseguranças. Permitia o olhar em meus olhos, dizia-me o que não queria ouvir. Não escondia as mãos por nada... Meu coração, hoje, traz um traço de sofrimento meus e não meus. O primeiro sorriso que vi estava em sua face e o primeiro choro também. Nesses dias de domingo, assim, que se comemora tanta coisa, há quem não as têm para se entregar. Sabe-se lá porque a sua história foi assim, tão diferente. Quando ela me abraçava em todas as minhas idades, o seu abraço envolvia-me de uma luz que somente quando se ama se sabe dessa claridade, profunda e perdida em nossa escuridão. Aquela sua voz de timbres dos mais diferentes ia-me a mostrar que são vários os caminhos que nos cercam, caminhos que nos apresentam com os seus inevitáveis amanhãs. Quando pego a sua foto, aquela deixada na cabeceira do esquecimento acondicionada em álbuns, percebo que envelheci do tamanho de minha dor e só salvei aquela alegria deixada no canto dos lábios à busca do seu beijo esquecido. Amei, fui amado, amei e amo. Nesses dias em que o sol brilha por teimosia à nossa escuridão, pode-se ver ainda o seu canto de ninar cantarolando a canção que adormece, enquanto os seus ombros doídos descansam no embalo do corpo inerte que resiste ao sono, que sonha um sonho não sabido a despertar ao primeiro desconforto. Ela ali, antes de eu acordar, pra poder sorrir pra mim o sorriso mais lindo que uma boca pode expressar. Meu coração guarda todos eles, mas, nesses dias assim, ele libera a compota das minhas lembranças. A mais bela dançarina que os meus olhos já viram, a mais assídua de todas em minha vida. Nunca se atrasou pra nada e nem me entregou a ninguém para que cuidasse de mim. Nunca me chamou por uma buzina a porta da escola e nem de outras formas, que não fosse o meu nome. Todo esse seu amor envolve minha espiritualidade e me compõe sem me anular. Permitiu que surgisse a mim entre os meus “eus”, vividos em vidas vividas. E todos esses meus “eus” sabem dela e a busca numa saudade que escoa entre os meus dedos, porque a vida nos dá e nos tira na mesma intensidade que se vive e deixa a sua história. Às vezes marcada pelos equívocos, outros, por outros, que querem que sejam equívocos. Quando acordei do sono de sábado e o domingo se apresentou lindo, com o seu céu azul, o vento trouxe-me as lembranças e o meu coração encharcou-se de saudades suas, repartidas em seu jeito simples e amplo de me amar. Saudades de você, de seu beijo e do seu jeitinho saudoso ao me ver todas as vezes que eu insistia em sumir, porque as portas ficaram alargadas, chamando-me a um caminhar, não tão longe do seu, mas meu. Nesses dias assim, tenho tanta saudade que eu me esqueço.