Era Natal, já faz tempo. Uma tarde de chuva fria e insistente. Natal é sempre triste, mesmo quando “bimbalham os sinos a cantos e hinos”, como cantávamos quando crianças. Triste porque não é mais um acontecimento religioso. É o dia em que o lucro anda solto, manejado pelas rédeas do mercado. Quem faz aniversário é o Papai Noel, sempre com aquela gargalhada histriônica e comportamento duvidoso.
Apesar da chuva, fui convidado para uma reunião natalina, só que de Natal não tinha nada. Gente de posse. Numa mesa enorme uma parafernália de assustar. No centro uma árvore de Natal com bolas de algodão imitando neve. Coisa de mau gosto. Lâmpadas pisca-pisca, estrelas, bolas coloridas, bichinhos de pelúcia. Bem no centro, ele, o gordo, rebolando e cantando um engrolado que ninguém entendia. A meninada sorria feliz: “Como é bom o Papai Noel”.
Quando voltei para casa, saturado de paganismo, aconteceu o inesperado. Na Leopoldino de Oliveira, bem lá em cima, vi alguém sentado no meio-fio. Alguém com o corpo dobrado sobre os joelhos. Parei o carro e fui lá ver. Era uma velha miudinha, ensopada pela chuva, cabelos caindo sobre o rosto. Sorriu para mim e traduzindo a dor de mil mundos, me desejou um feliz Natal. Aquela saudação me doeu fundo. Não era possível, aquela cena era um sonho. Mas, não era. Era sim uma terrível acusação. Enfiei a mão no bolso. Não sei quanto, dei-lhe tudo o que tinha na hora. Tomei o carro e fui embora. Algo me fez parar. Comecei a chorar como há muito não chorava. Senti que não tinha sido um cristão. Dei dinheiro porque tive dó. Descobri que ter dó não é cristão. Qualquer pagão tem dó. Ser cristão é ter compaixão. É participar. É mais do que empatia. É um estar com. Dei meia volta. Pensava sem parar naquela velhinha que sorria para mim numa tarde chuvosa de Natal. Voltei ao local. Não havia mais ninguém. Procurei pela redondeza. Nada. A velhinha sumira. Pensei na festinha burguesa, no peru assado, nas castanhas, naquele punhado de cristãos que se refestelava em felicidade, enquanto aquela velhinha sorria na chuva. Mundo cão. Mundo em que o Papai Noel não desce na periferia, ele não gosta de menino pobre nem de velhinha desdentada, como nós, adultos, que nos apelidamos de cristãos, não nos preocupamos com os pobrezinhos de Deus. Pobre não dá lucro. É no meio deles que estão os ladrões, os assaltantes, os traficantes. Nós nos esquecemos de que o aniversariante do dia é o Filho de Deus, que veio à terra para nos trazer um projeto de vida. E é preciso que uma velhinha na chuva, vinda não sei de onde, apareça para chamar a minha atenção. Não é fácil ser cristão.