O né é algo que tem chamado nossa atenção, ultimamente. Graças à proverbial economia do brasileiro para falar, economizando fonemas ao pronunciar certas palavras (economia também de saliva), muitas ve
O né é algo que tem chamado nossa atenção, ultimamente. Graças à proverbial economia do brasileiro para falar, economizando fonemas ao pronunciar certas palavras (economia também de saliva), muitas vezes ele evita dizer palavras inteiras, não é? Foi de uma economia assim que surgiu o né. O né vai virando um vício, um cacoete, e o viciado nem percebe que pode ser mal-interpretado. Né? Olhem a mancadinha... Numa conversa entre amigos, companheiros e familiares, o né pode até passar despercebido. Porém, quando é empregado em um ambiente social, a situação é outra. E o uso do né na mídia? E é neste particular que o assunto despertou nosso interesse. Comecem, leitores, a reparar como o uso do né é frequente na boca dos nossos apresentadores, entrevistadores, jornalistas e de muitos dos que têm nas mãos um microfone, em algum espaço na mídia. Salvo melhor juízo, parece-nos que os homens, na mídia, usam menos o né. Para acabar com a dúvida, é bom que prestemos um pouco mais de atenção. Ou poderemos cometer uma injustiça para com as apresentadoras. Soa ridículo o né, em algumas ocasiões (ou em todas elas), principalmente agora, que emissoras de televisão estão dando mais liberdade aos apresentadores de jornal para fazerem algum comentário ao lerem uma notícia. Às vezes, fora do script, entre os apresentadores, há um comprido diálogo em que o né parece presença obrigatória. Como boa companhia, o né tem o riso ou o sorriso de alguns apresentadores, que dão uma notícia com os dentes à mostra, de vez em quando. E sabem representar bem, pois mudam a fisionomia conforme a notícia que leem. Cara fechada para notícias de guerra, desastres, catástrofes, tiros, mortes. E muito sorriso se a notícia é alvissareira. Entretanto, qualquer que seja a expressão facial, lá está presente o né. Mas, cá entre nós, cabe né na mídia? Desnecessário, não é? Certa vez, um senhor que veio da Grécia para o Brasil observou: “O brasileiro dificulta o entendimento da língua para o estrangeiro. É muita gíria, muita abreviação. A língua falada se distancia muito da escrita.” E o estrangeiro foi mesmo perspicaz na sua observação. Ouvia tanto ocê, tá, tô sim, pó fazê, gora memo e mais o famoso né, que parecia estar diante de uma outra língua, e não da “última flor do Lácio, inculta e bela”, enaltecida nos versos de Bilac. Também os jornais não dão trégua às autoridades, pois registram fielmente aquilo que elas falam. Foi o que aconteceu com o presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva, que cobrou do presidente Lula “uma enquadrada” em dois ministros, Paulo Bernardo (Planejamento) e Guido Mantega (Fazenda), em razão de eles terem tirado férias no meio desta crise: “Enquanto a coisa aperta para os trabalhadores, está boa a vida pra esses caras, né?” (Folha de S. Paulo, 18/01/2009 fl. A4). Observaram o né? Fica-nos a impressão de que o emprego do né, nos meios de comunicação, tem estabilidade; nunca vai ser abolido. Abordamos o tema a fim de começarmos a observar como é desagradável o uso do né e nos policiarmos para não incorporarmos esse cacoete à nossa fala. (*) Membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro mariosalvador@terra.com.br Mário Salvador escreve às terças-feiras neste espaço.