Talvez o ditado popular recordar é viver encerre alguma verdade
Talvez o ditado popular “recordar é viver” encerre alguma verdade. Sempre que passo de carro pela rotatória da rua Bento Ferreira com a avenida Alexandre Barbosa, no bairro Mercês, lembro-me de brincadeiras com que passávamos o tempo de criança. Aquele pedaço de chão, na época sem calçamento, foi, décadas atrás, o campo de futebol da molecada. De manhã, estávamos na escola, mas à tarde sempre havia tempo para a animada pelada. O trânsito no local era insignificante. De vez em quando, interrompia-se a aguerrida partida para a boiada passar, rumo ao matadouro municipal, na rua Afonso Rato. Mal o gado deixava nosso campinho, a peleja reiniciava.
Hoje há bonitos campinhos e quadras cobertas, com traves de verdade em vez dos tijolos que antes usávamos; não mais é preciso jogar bola na rua. Felizmente é assim, pois o trânsito tornaria impossível uma aventura como a da minha turma. Nem se joga mais descalç todos têm o que calçar. Partida de futebol na rua é coisa do passado.
Outras tantas brincadeiras sumiram com o temp sacarrilha, pique-esconde, pique-pega, bilboquê, pião, bolinha de gude... Nem há como furar casinhas no chão para uma partida de bola de gude. Tudo é asfalto ou cimento. Nem há mais convites das meninas para que os meninos sejam padrinhos em batizados de bonecas – era uma festa com muita pompa.
E o estilingue?! Arma fantástica para derrubar frutas, principalmente as das mangueiras mais altas, ou para matar calangos e lagartixas nos muros de taipas. (Que maldade!) Acabaram-se os quintais e, com eles, as mangueiras. E para onde foram calangos e lagartixas, se muros de taipas também desapareceram?
Brincadeira perigosa era feita com canudo de bambu de uns trinta centímetros de comprimento por dois de diâmetro. Ajustava-se dentro desse tubo uma seta aguçada feita de tiras de papel enroladas (cortadas de caderno usado) que, com um sopro bem forte, cravava numa caixa de marimbondos. Alvoroçados, os insetos voavam contra o inimigo (que corria, mas nem sempre escapava das ferroadas e das marcas dolorosas), cravavam o ferrão e morriam com um tabefe. Pela cidade viam-se caixas e caixas de marimbondos cheias de setas de papel. A zarabatana de bambu desapareceu. E raramente se vê alguma caixa de marimbondo.
Sofisticados jogos eletrônicos que estimulam o raciocínio rápido e a perícia das mãos podem ser mais prazerosos e até mais vantajosos que essas brincadeiras, mas jamais esqueceremos o quanto era bom criar os próprios brinquedos e conviver com todas as outras crianças do bairro. Só mais tarde descobriríamos o quanto aquelas brincadeiras foram importantes em nossa formação. Que as crianças de hoje encontrem em suas brincadeiras algo de bom para se recordarem no futuro.