Quantas coisas da vida ficam guardadas na memória?
Quantas coisas da vida ficam guardadas na memória? Como em um cérebro tão pequenino, se acomodam tantas mil coisas? E, que registro é capaz de fazer!... Guarda tudo. Até inacreditáveis e bobas lembranças. Tudo fica nesse pequenino órgão. Momentos, personagens, nomes, lugares, cores, até perfume... Um aparelho dotado de um mecanismo que ninguém sabe explicá-lo. Para manuseá-lo não precisa de Manual de Instrução. Aliás, de Manual, precisa sim, perdão... Todos nós o recebemos logo no comecinho de nossa vida. No dia 17 de março de 1928, quando eu nascia, 84 anos passados, também comigo veio o meu Manual. Procurei, mas não achei. Não consta numeração. Certamente, não teria algarismos suficientes para cada coisa que eu iria registrar. Fato notável é que cada qual aprende a trabalhar com ele de seu jeito. Tudo nele tem um título em letras enormes. No capítulo ESQUECER, por exemplo, lá está escrit APAGAR. Parece que isso é o suficiente porque não fala mais nada. CHORAR, naquele Manual, tem muitas páginas. Muitas mesmo. Todas repletas de ensinamentos, mas tudo em letrinhas. Como não lemos aquelas letrinhas, não aprendemos e choramos muito. Por final, o capítulo CALENDÁRIO. Não há muito que ler. Estranho!... Apenas uma determinaçã DESTACAR uma folha todos os meses. Hoje, 17 de março, distante daquele meu primeiro dia, não a destaquei – mesmo assim, mais um ano na minha existência lá se foi. Não sei quantas folhas ainda me faltam para destacar. Até nem é bom saber. A infância, a cada vez, vai ficando mais distante, sem nos deixar um caminho para voltar –, mas se eu o encontrasse e ele de novo me levasse à infância, para não mais a velhice saber voltar, bem sei o que faria nos meus rastros:
OS APAGARIA.
Céleres, meus anos de mim partiram...
Com eles também, minhas esperanças.
Uma a uma, sorrateiras seguiram,
Deixando apenas rastros de lembranças.
Ah!... Se nesses rastros um dia eu pisasse,
E eles de volta me levassem à infância,
Que bom seria... Rever minha face
Lisa e de sentir na boca a fragrância
Das cerejas e das pitangas roubadas
Do vilarejo pobre onde eu vivia,
Falando a sós, como toda criança
Fala e sonha num castelo de fadas.
Ah!... Se esses rastros me levassem à infância,
Após pisá-los, OS APAGARIA.
(*) Odontólogo; ex-professor universitário (Odonto Uniube)