Ficou famoso certo experimento com cães – que envolvia um sininho e um estímulo ao paladar. Não é difícil reconhecer um reflexo condicionado. Menos conhecida é outra história com esses mesmos animais. Aconteceu por acidente, quase acabou em tragédia, e trouxe muitos ensinamentos.
Foi durante uma enchente no Rio Neva, que atingiu o laboratório onde estavam os bichos. Exceto os cães, não havia mais ninguém quando o recinto começou a se encher de água. Encurralados em suas gaiolas, os cães viam e sentiam a água subindo, implacável. Terror total.
Foram salvos quase ao último minuto, quando um tratador voltou ao local e encontrou as gaiolas flutuando e os cães uivando desesperados, arfando pela última golfada de ar. A história poderia ter terminado aí, porém, esse era um laboratório em que se observavam comportamentos. E, de fato, viu-se algo inesperado. Os cães mudaram, e profundamente.
Os sociáveis ficaram tímidos; os mansos, agressivos. E o mais surpreendente, esqueceram-se de tudo, toda a complexa aprendizagem que haviam adquirido no laboratório. Súbita e completamente, desmemoriados.
Poderia ser mais um caso de estudo da ciência comportamental, entre tantos, apenas outro artigo publicado e revisado pelos pares, mas, não. Os resultados chegaram ao conhecimento do ditador da vez, que, dentro da sua sociopatia, viu o valor daquele conhecimento. Afinal, havia um gatilho facilitador que o ajudaria a chegar ao seu objetivo de subjugação em massa: o medo e, quanto mais, melhor – para apagar o passado, o que compõe uma existência individual e, subsequentemente, coletiva. Cultura, crenças e convicções, valores compartilhados, tudo zerado. E aqui estamos nós.
Verdade que não faltam notícias aterradoras por aí. Contudo será diferente, desde o início dos tempos? Nunca faltaram guerras, epidemias, desastres naturais, desde que o mundo é mundo. Por que o bombardeio de informação negativa? Foco excessivo nessas fontes de terror pode parecer gestão responsável, no entanto é estratégia de controle. Uma forma de transformar a todos naqueles pobres cães. Vivos e manipuláveis, prontos para a implantação da mais recente insensatez.
Ana Maria Leal Salvador Vilanova
Engenheira civil, cinéfila, ailurófila e adepta da caminhada nórdica
AnaMariaLSVilanova@gmail.com