Não sou de assistir novelas na televisão. Ocasionalmente, apareço ali frente à Globo, a Cida é fixada e tenta me converter a esta audiência e visual. Confesso que foi assim que assisti vários capítulos daquela Preferida, a Donatela versus a Flora. Como todo brasileiro, fiquei irritado com as ruindades da tal Flora e as humilhações sofridas pela Donatela. Pensei comig o final deverá ser empolgante, o bem sempre vencerá o mal, a Donatela sairá vitoriosa e vai esmagar a Flora! Eu tinha esquecido que isto é Brasil, terra onde é difícil o bom ser muito bom e o mal ser mal completo... pois é, chego de surpresa e aquela capítulo inesquecível: Flora e Donatela cantando juntas “que beijinho doce, que ele tem”. Pensei log caramba, o diretor perdeu o rumo, tá difícil terminar esta novela, é preciso prorrogá-la porque a audiência é grande, e a televisão vive é de audiência! Bem, não assisti mais à tal Predileta (ou era Preferida?). O ridículo tem limite, pensei, e soltei aquele comentário definitivo para negar presença: tô fora! Bem, você aí, meu amigo e leitor, vai pensar que agora estou mesmo vacilando, finalmente aparece mais uma senectude protestante! Não é bem assim, meu amigo. Ainda exerço algumas velhacarias literárias, e esta introdução é uma delas. Calma, Lídia e Ivan do Correio, não está na hora de me cortarem este espaço. Esta novela que revelei aqui em maltraçadas linhas... bacana esta frase da antiga literatura amorosa, hein?... é na realidade a nova Historia do Brasil. Se não entendem bem, vou contar. O Brasil nosso é o campo desta grande novela com os artistas principais do nosso palco. Posso contar mil episódios que se encaixam no enredo das novelas pós oito horas. Por exemplo, você imagina provocar e sacanear com a ingenuidade pública começando pelos 181 funcionários do nosso parlamento que receberam salário e horas extras no mês em que ele estava em recesso e férias. Aparece um mocinho Protógenes (este nome dá novela!) implantando escuta de safadezas e pilantragens dos nossos dirigentes (?). Surge uma indignação, é preciso apurar e punir, afinal queremos um Brasil digno e honesto! Acontece que o caldo engrossou, iriam aparecer coisas detestáveis e irritantes, lembrem-se do tal mensalão, das CPIs dos Correios, deste aliado vilão Jarbas Vasconcelos jogando aquela “papelada” no ventilador? E vão entrando denuncias de safadezas de toda ordem, o Dantas do Opportunity, até a histórica Camargo Correia, os grandes negócios e negociatas, a novela cresce em busca de um clímax onde ninguém vai descobrir quem é a Preferida... Agora já entram em dinheiro grosso que ninguém sabia, bilhões para sustentar despesas do nosso Parlamento, verbas maiores que a bolsa-família ou qualquer assistência ao verdadeiro povo brasileiro. Bem, e aqueles legisladores que viajaram, hein? Bom, é preciso alguma lição venerável para educar e alegrar a galeria. Dão uma busca, onde quer que se mexa tem lixo debaixo do tapete, ô novela dura... Aí então um ilustre puxa a carta inesperada: gente, pega o Protógenes, demite, manda ele pra reserva, tira ele do jogo, o brasileiro simples nunca saberá quem é este cara com um nome tão complicado, deve ser bandido mesmo!... Aí, tranquilo e calmo, baixa o pano. Mais uma novela brasileira que ninguém entende...
(*) médico e pecuarista