Estimado leitor, muito entristecido, li, nas páginas do JM, que somente o Clube Sírio Libanês irá promover, em terras uberabenses, carnaval de salão neste ano de 2010. É mesmo uma grande pena. Ano passado, nesta mesma época, publiquei alguns artigos que comentavam sobre o declínio do carnaval de salão de forma geral e, em particular, das marchinhas carnavalescas.
Na mesma reportagem a que já me referi, li que os clubes que desistiram de realizar seus bailes o fizeram por questões financeiras, uma vez que as pessoas se desinteressaram de “pular” o carnaval em salões, e o prejuízo é eminente. A preferência dos foliões, em sua grande maioria, parece ser pelo carnaval de rua, o que o torna mais rentável. Evidentemente que não vou discutir se elas têm ou não razão. Cada um pensa e age de acordo com suas vontades.
Entretanto, vale comentar que o carnaval de rua da atualidade descaracterizou por completo. Basta ver que numa cidade vizinha à Uberaba, haverá o inusitado encontro de bandas de axé com duplas sertanejas. Por mais que eu tente compreender tal heterodoxia, não vejo muito sentido nela. Nada contra os estilos de cada grupo, mas essa mistura atende mais aos aspectos financeiros, configurando-se num grave atentado à estética musical.
Este é um artigo de risco, pois bem sei que nado contra a maré. A imensa maioria das pessoas vão dizer que sou saudosista, que não me adequei aos tempos atuais, que vivo de momentos do passado. Assumo que esses adjetivos, em maior ou menor grau, podem ser atribuídos à minha pessoa. Saudosista ou não, não vejo com bons olhos o que parece ser fim inevitável dos bailes de carnaval.
É preciso que se diga que junto com eles, morre um modo ser, um estilo de vida. O folião dos velhos bailes é, por excelência, um amante da verdadeira alegria, da descontração saudável. Sua marca registrada é a capacidade de extravasar suas emoções de um modo que, em muitas situações, beira a ingenuidade. Por isso, usamos a expressão brincar o carnaval. O folião é um brincalhão, e o carnaval uma grande brincadeira, momento de celebrar a descontração. Não por acaso, muitas mães adoravam fantasiar seus filhos e os levar à matine, prática impensável nos carnavais de rua de hoje.
Sei bem que muitos cometem exageros em nome do carnaval. Sei também que uma dose de malícia é ingrediente permanente da folia de Momo, e isso pode ser facilmente comprovado nas letras de inúmeras marchinhas carnavalescas. Ademais, não estou defendendo puritanismos inúteis e muito menos dizendo que inconveniências não existiam. Existiam sim e sei bem disso.
O que desejo provocar é uma reflexão que permita discutir por que determinados fenômenos sem lastro histórico nenhum, sem representação simbólica alguma alcançam patamares elevados a ponto de substituir tradições que, uma vez substituídas, correm o risco de desaparecerem para sempre. E o que é pior: ao se analisar o fenômeno substituto, nada se encontra, pois ele é repleto de nada, não passando, muitas vezes, de truques publicitários.
Afirmo-lhes, pois, que, do ponto de vista da preservação das identidades sociais, não há nada mais desastroso.
(*) doutorando em História e professor do Colégio Cenecista Dr. José Ferreira, da Facthus e da UFTM