ARTICULISTAS

O mundo do faz-de-conta

Queixa de um personagem de Proust: Perdi minha infância

Padre Prata
thprata@terra.com.br
Publicado em 18/11/2012 às 14:02Atualizado em 19/12/2022 às 16:14
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Queixa de um personagem de Proust: “Perdi minha infância”. O lamento não traduz a perda de uma fase da vida. Não foi o tempo mensurável que foi perdido. Foi muito mais. Foi todo um sentido de vida. De um ponto de referência que passa a dar significado à própria vida. É o espírito de infância. Alguma coisa colada ao próprio ser. Bem por dentro. Há crianças adultas, o que é lamentável. Mas, ainda bem! Há adultos que conservam o espírito de criança.

Meu amigo Jorge Alberto Nabut, no escrito e no oral, apregoa convicto que ainda não me libertei de minha infância. Ele tem carradas de razões. A infância foi a melhor época de minha vida. Em certos aspectos, o adulto é artificial.

Nós nos lembramos quando, em nossos primeiros anos de vida, nossos pais nos contavam estórias de um mundo do faz-de-contas. De um mundo que, puro, germinava dentro de cada um de nós. Acreditávamos nele. Ele era real dentro de nossas cabeças. Por isso, éramos felizes. Hoje, nos enchemos de queixas, de amarguras, de dores e sofrimentos, de fracassos e de insegurança. Vivemos num mundo dolorosamente real. Viramos adultos. Perdemos o caminho. Não sabemos onde foi parar a chave do jardim encantado.

Torna-se cada vez mais comum a queixa do adult “estou com depressão”.  O fenômeno é oitenta por cento mais comum no mundo dos bem instalados na vida. Daquele mundo que não têm mais o que fazer e procura nas aparências sociais, no retratinho publicado nos jornais uma resposta para seus tormentos interiores.

Francisco de Assis que conversava com pássaros, com peixes e com lobos, jamais seria um depressivo. Teresa que, à noite, beijava as crianças recolhidas nas ruas de Calcutá, jamais entraria em síndrome de pânico. Eram como crianças. O mundo interior deles era povoado de gestos de ternura, de referências muito além de si mesmas. Para eles, era um mundo do faz-de-contas, diferente do nosso. Navegavam num mundo de Deus. Na ternura de Deus.

Às vezes, achamos certos santos um tanto psicóticos. Eternos sonhadores. Gente que transita em estradas, Para nós, fora da normalidade. Os adultos são gente muito normal, gente realista, gente que só pisa em terra firme. Ao contrário, o santo vive sonhando. Seu mundo não é o nosso. Eles são crianças, por isso são felizes. Por isso vivem em paz. Dão a impressão de que vivem no mundo da lua. Existem muitos deles ao nosso redor. Diariamente tropeçamos em santos. Trombamos com eles pelas ruas. São gente que vive o espírito de infância, despreocupados. Aboliram a matemática do adulto, por isso vivem felizes. São gente de todas as classes e profissões. Médicos, enfermeiras, religiosos, operários, lavadeiras, voluntários, professores, gente que nos é desconhecida, despercebida. Não perderam o sentido da infância. Por isso são felizes. Por mais estranho que pareça, vivem num mundo do faz-de-conta. 

 

(*) Membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro

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