Estimado Leitor, falemos de alteridade. A palavra latina alter significa o outro. Praticar a alteridade é reconhecer o outro na sua plenitude, sem fragmentações. Esse reconhecimento do outro não tem apenas a finalidade de nos fazer perceber a existência física desta ou daquela pessoa, uma vez que eu posso estar do lado de alguém sem tomar consciência disso.
Praticar a alteridade vai muito além: tão logo percebo que o outro é uma pessoa humana e, por isso, merecedora de reconhecimento e de respeito – o que, evidentemente, transcende o mero reconhecimento físico de seu ser – devo me dedicar a fazer com que mais pessoas assim também ajam. Para tanto, não podemos temer o contato com as pessoas. Por medo de interagir umas com as outras, muitos se enclausuram e fogem das relações humanas, tornando-se frios e insensíveis à vida coletiva.
É preciso deixar-me maravilhar pela experiência de entrar em contato com as diferentes concepções de vida. Deixando-me sensibilizar pelo mundo do outro, vou, paulatinamente, tomando contato comigo mesmo e com o meu mundo. Ao treinar o meu olhar para reconhecer o outro, estou, na mesma proporção, aprendendo a me reconhecer. É na contraposição da minha existência para com as diversas outras existências que o meu eu ganha contorno e distinção. Dizendo de outro mod negar o outro é, logo, negar a mim mesmo.
Nas relações interpessoais e sociais, quanto menos as pessoas se dedicam à alteridade, mais conflitos ocorrem. Criam-se todas as condições para os egoísmos e as intolerâncias. Ao não deixar que o outro tenha espaço em mim mesmo, passo a vê-lo como bárbaro e selvagem, esquecendo-me que aquilo que não é de meu costume é sempre considerado barbárie e selvageria.
Colocando-me no epicentro de todas as coisas, o outro, outrora merecedor de respeito e dignidade, passa a ser visto como uma coisa que atrapalha e incomoda e, por isso mesmo, deve ser desqualificado, pois não portando nenhuma qualificação, justifica-se qualquer sentimento de superioridade em relação a ele.
Este é o princípio-mor das intolerâncias que temos visto desfilar diariamente diante dos nossos olhos. Assim pensa o intolerante: se sou mais qualificado do que você, por que devo tratá-lo como igual? Na intolerância, a relação que prepondera é todo tipo sujeito-objeto (e não sujeito-sujeito), onde o diferente não é visto como ser humano, e sim como um artefato, sem vida, sem sentimentos, sem absolutamente nada. Ao nada, destinamos nossa indiferença.
Devemos todos estudarmos o assunto e traçar estratégias para fazer da alteridade a tônica das nossas relações. Conviver com as diferenças, quaisquer que sejam elas, deve ser visto como uma oportunidade de nos tornarmos mais sensíveis e mais humanos, função primeira de todo indivíduo.
(*) Doutorando em História e professor do Colégio Cenecista Dr. José Ferreira e da Facthus