Um livro. Mais um, entre muitos. E, no entanto, esse é especial. Não é apenas um livro, é um veículo. Vem com quatro CDs, todos com a mesma música. Exatamente a mesma, sem tirar nem por uma única nota, desde sua primeira execução pública, em 7 de maio de 1824.
Primeiro há uma introdução com um contexto para a obra, o compositor e seu tempo. Em seguida, a partitura completa, para todos os instrumentos. Depois a letra, no original em alemão e uma caridosa tradução para o inglês (o livro todo é em alemão-inglês). Uma pequena biografia dos quatro maestros e um guia da arte de ler uma partitura, caso o fã não tenha estudado música. Daqui a nada serão 200 anos desta obra, que, embora por vezes soe dramática, é uma “Ode à Alegria” (Ludwig van Beethoven, Friedrich von Schiller). Conhecidíssima e com trechos repetidos, homenageados e caluniados à exaustão, no mundo moderno pouca gente haverá que não conheça a “Nona Sinfonia de Beethoven”.
Ainda assim, é uma surpresa contemplar essa partitura e constatar que, dispondo das mesmas notas que todos os músicos do mundo, somente aquele foi capaz de compor esta peça, o mais próximo que o mundo chegará ao divino em forma de música. É uma surpresa ouvir a sinfonia olhando as notas, enfileiradas e obedientes, tão simples e, ao mesmo tempo, capazes de encher a alma.
Isso vem a caso de recentes controvérsias envolvendo autores clássicos e tempos modernos. Machado de Assis revisto e não recomendado para jovens? Oi? Difícil haver recomendação mais pertinente. Machado é simples e clássico, incrivelmente profundo. Lemos com a sensação de não ler, a simplicidade que só se conquista com o domínio total do ofício. Sentimos toda a estranheza do ser humano, nunca completamente bom ou mal, em suas linhas. As palavras estavam lá para qualquer escritor; só ele foi capaz. E, mistério, ainda nos perguntamos o que realmente aconteceu naquela história. Que escreveria Machado hoje, em que um simples exame laboratorial comprovaria, ou não, as suspeitas de Bentinho? Nem imagino. Mas sei que, daqui a 200 anos, estaríamos lendo Machado, inconscientes do ruído imaturo e passageiro que adorna a paisagem nos dias atuais.
Se a moda hoje é “cancelar” os clássicos, seja um rebelde: leia Machado; ouça Beethoven.
Ana Maria Leal Salvador Vilanova
Engenheira civil, cinéfila, ailurófila e adepta da caminhada nórdica
AnaMariaLSVilanova@gmail.com