Acompanhando as notícias referentes à tragédia de Santa Maria sou acometida de pensamentos e sentimentos diversos.
Remontando aos estudos da Psicologia das Emergências, temos conhecimento que as tragédias sempre existiram na história da humanidade e, sem dúvida, o avanço tecnológico tem contribuído para o seu significativo aumento.
Concomitante a esta realidade os estudos sobre as mesmas vêm crescendo paulatinamente no âmbito de várias ciências. São objetos de estudo da Geografia Humana, da Sociologia, da Engenharia e mais recentemente da Saúde Mental dentre outras.
No conjunto, tais estudos versam sobre a prevenção, a atuação no momento em que ocorrem, o comportamento das vítimas pós-desastre e o como atuar junto às mesmas. No Brasil, a Psicologia das Emergências e Desastres tem agido em consonância com a Política Nacional de Defesa Civil e os psicólogos têm se feito presentes nas grandes tragédias e acidentes nacionais.
Um dos estudos pioneiros nesta área foi a Tese de Doutorado do Padre Samuel Prince, publicado em 1920, com a análise do comportamento humano durante as calamidades. Ele utilizou-se de sua atuação no acidente do Titanic em 1912, onde realizou os enterros no mar e também na tragédia de Halifax, em 1917, na Nova Escócia, quando um cargueiro com 5.600 toneladas de explosivos causou a morte de 1.962 pessoas – ocasião em que abriu sua igreja para a triagem das vítimas do acidente.
De todas as suas conclusões que aqui não podemos detalhar por questão de espaço, três percebo corroboradas com a tragédia de Santa Maria.
Na pós-tragédia impera a instabilidade; os velhos costumes são desmoronados e que elas são oportunidades que forçam mudanças para melhor.
Basta olharmos as notícias para que tais afirmativas se comprovem. Infelizmente é sempre preciso que aconteçam fatos que custem a vida de muitos para que alguns promotores de eventos (na esfera pública ou privada), com o velho hábito da irresponsabilidade, sejam forçados a saírem sua zona de conforto do alto lucro com baixo custo e passem a cumprir o que a lei determina claramente.
A tragédia de Santa Maria me faz recordar minha estreia como Terapeuta do Luto em situação semelhante, é claro que resguardadas as devidas proporções. Em 2000 pude acolher os professores, motoristas e familiares dos 12 adolescentes da zona rural que faleceram no acidente com a VAN em 2000, na BR-050 e em 2001. Pude comparecer ao velório dos 20 estudantes de Sacramento que vinham de Franca em 2001 e depois oferecer um treinamento para alguns profissionais de educação daquele município.
O clima de tristeza nos velórios das vítimas, também realizados em ginásios de esporte, é inesquecível, fazendo com que até a natureza parecesse triste.
Projetando para a experiência de Santa Maria, haverá muito que fazer em termos de apoio psicológico por aquela comunidade, uma vez que a tragédia em questão reúne vários fatores favoráveis ao desenvolvimento de lutos complicados: a proximidade do vínculo com as pessoas perdidas (filhos, netos, irmãos, sobrinhos, afilhados, vizinhos, colegas de escola e de trabalho); a idade dos falecidos (enterrar significa enterrar sonhos, esperanças e projetos interrompidos), a violência da morte que chegou sem avisar...
De cá, fico torcendo para que a morte destes jovens não seja em vão e que toda essa mobilização que temos assistido torne-se um hábito e não apenas um fogo de palha que se extinguirá junto com o distanciamento emocional dos fatos.
Torço muito também para que os profissionais que estão atuando em Santa Maria não sejam violentados e atropelados pelos fatos. Trabalhar com enlutados não é imposição, é escolha por uma especialidade que exige conhecimento técnico e amadurecimento pessoal e profissional.
Que estes profissionais sejam devidamente acolhidos emocionalmente para que possam realizar com eficiência a tarefa de suportar a sofrida dor dos enlutados.