Realizei nesse início de janeiro o sonho antigo de fazer uma viagem de trem entre Belo Horizonte e Vitória
Realizei nesse início de janeiro o sonho antigo de fazer uma viagem de trem entre Belo Horizonte e Vitória buscando, dentre outras coisas, resgatar lembranças agradáveis de minha infância. Encontrei percurso bonito, companhias agradáveis, pousada muito aconchegante na barra do Jucu, quase nada de chuva, cerveja gelada, moqueca capixaba, formando o que poderíamos chamar de passeio perfeito.
Só uma coisa perturbou o sossego de minha semaninha de férias: as tragédias provocadas pelas chuvas, penso eu, que bem dentro da máxima de que aquilo que os olhos não veem o coração não sente e, se meus olhos viram, meu coração sentiu com a certeza de que tudo o que acontece com uma parte afeta o todo.
Meus olhos não conseguiram ignorar as paisagens que vi no caminho. Vi muito barracão que, embora não tenha mais telhado de zinco, continua “... pendurado no morro e pedindo socorro à cidade a seus pés”, fazendo-me refletir que ele continua sendo “tradição do meu país”, só não sei se ainda “pobretão e feliz”, sabendo que pode desabar a qualquer momento...
Recordei-me de outra música focada na contradição social, que nós cinquentões e cinquentonas cantamos em nossos grupos de jovens, que dizia mais ou menos assim: “Para mim / a chuva no telhado é cantiga de ninar / mas o pobre meu irmão / para ele a chuva fria / vai entrando em seu barraco/ e faz lama pelo chão. /Como posso ser feliz? / ...como posso ter sono sossegado...? – Bendita Internet que me traz o nome da música, Balada da Caridade!
Músicas tão velhas, mas cada vez mais atuais para retratar as tragédias que têm se repetido ano após ano com números cada vez maiores. Quantos serão os mortos em até 2016, se considerarmos que o Plano de Prevenção anunciado pelo governo só poderá se efetivar daqui a quatro anos?
O que mais as autoridades podem fazer até lá além de sobrevoar a região?
Enquanto profissional da área, não consigo deixar de dimensionar o sabido sentimento de perda dos sobreviventes que além dos danos materiais e a morte de pessoas queridas, perdem sua história, sua identidade, ficando “sem lenço e sem documento”, sem uma foto para lembrar os momentos importantes de suas vidas.
Fico pensando também nos profissionais que por força do seu ganha-pão são obrigados a conviver de perto com tudo aquilo que para nós é notícia de televisão. Quem cuida de quem está cuidando do outro?
Não posso concluir sem mencionar meu desejo de que venha o dia em que os políticos se preocupem realmente com a qualidade de vida de seus eleitores e não penas com os votos e lucros que estes podem lhe render.
(*) terapeuta das Perdas e do Luto; mestre em Psicologia Clínica; palestrante