Não faz tempo, nossas esperanças perdiam o viço e dobravam-se tristes. De repente, quando as saídas de salvação se entupiam de entulhos, apareceu um operário mostrando caminhos e soluções. Foi então que nossos dias se tornaram claros e nossas esperanças voltaram a sorrir. Alguém apareceu. Tinha nas mãos os calos das ferramentas e o cheiro característico das soldas elétricas. Não tinha diploma nem lera um livro sequer. Gabava-se de que sua “mãe nascera analfabeta”. Vestia-se mal. Cabelos desgrenhados e barba preta maltratada. Trazia encravada no peito a dor dos excluídos, a voz dos sem voz. Nós nos encantamos vendo-o nos debates e na coerência de sua ideologia. Tínhamos a impressão de que possuía um sexto sentido e uma profunda intuição do que deveria ser feito para salvar os infelizes.
Foi assim que se criou algo de mágico em sua pessoa. Estava ali o salvador, o caçador dos ratos que infernavam nossas vidas. Parecia-nos que trazia em seu coração a chave do jardim encantado.
Foi assim que se criou algo de mágico ao redor de sua pessoa. Estava ali o salvador, o Messias. Fomos, infantilmente, instrumentalizados.
Nós o elegemos e nos vestimos de roupas brancas. Alegria. Diante de nós o ícone da honestidade, da lealdade, da pureza de intenções. Tudo estava para ser modificado naquela área onde vive e chora o Povo de Deus, o pobre esquecido. Havia desemprego, má distribuição de riquezas, problemas urbanos. A floresta era densa e escura. Carrascal de dar medo. Mas, “ele” iria dar um jeito naquilo. Iria escolher para ajudá-lo cães de faro apurado que destruiriam o esconderijo dos ratos. Destruiriam o “reino” daqueles roedores. Ele veio para isso. “Salve lindo pendão da esperança...”
Com o tempo nossos olhos foram se abrindo. Pelas frestas começamos a ver o que realmente acontecia. Ninguém jamais vira tantos ratos em festa alucinante. Tentamos não acreditar. Era mentira. Não, não era. Arregalamos nossos olhos e dentro de nós ouvimos a voz de lament “Como fomos enganados!”.
Um dia, sem ninguém esperar, nasceu uma luzinha. Bruxuleava. Havia uma coisa diferente. O “castiçal” que tornava aquela luz cada vez mais clara era “negro”. Nós o olhávamos sem acreditar. Fomos descobrindo que os ratos não eram dois ou três, nem só quarenta, eram centenas. Ratos e ratazanas. Aquele castiçal foi firme e destemido. As paredes daquele estranho reino começavam a trincar. Voltava a esperança. Era muito forte a verdade que brotava daquele castiçal negro.
(*) Membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro