Houve um tempo em que comprar pão tinha um quê de aventura. Antes de escolher, instintivamente verificávamos o preço da unidade. Que mudava, dia após dia! Eram os tempos da inflação, que virou hiper, e afetava tudo, desde chiclete a mensalidades escolares, a imóveis. Assim, a inflação acabava interferindo na vida mais íntima das pessoas. Quer se casar? Veremos. Daqui a seis meses, ou um ano, quanto vão custar o salão, o catering, as flores? E onde vão morar? Assinar um contrato com anos de duração prevendo o valor das prestações ficou impossível. Pensa em mudar de emprego? Duvido. Para muitos empreendedores, o menos arriscado, numa situação tão volátil, era aplicar o dinheiro numa conta-poupança, ou em algum fundo. Muito melhor, ou menos pior, do que se arriscar num novo negócio, numa época em que todo mundo perdeu a noção do valor das coisas.
Tentei explicar essa situação a estrangeiros, mas creio que nunca consegui transmitir a angústia que se sente, quando estamos no meio dela. Todos vivendo num estado de semi-histeria, rindo para não chorar. Cada vez que vejo um filme de terror/suspense, daqueles em que alguma força misteriosa qualquer vai consumindo os personagens, lembro-me daqueles tempos. Era como se um ente onipresente entrasse nas nossas contas bancárias, nas nossas bolsas e carteiras e, simplesmente, fosse subtraindo o que lá estivesse. E não havia nada que pudéssemos fazer para acabar com o problema. Só era possível remediar, para não perder tudo. Parecia impossível vencer a indexação que já habitava a cabeça de todos e ajustava os preços, competindo para ver quem se adiantava mais e perdia menos. E a bola de neve só crescia.
Mas chegou a URV (Unidade Real de Valor) e depois, o Real. A vida era planejável de novo; passou a existir médio e longo prazo. Podíamos usar cartão de crédito, algo impensável antes. A estabilidade trouxe o empreendimento de volta. Houve impacto até na dieta do brasileiro. O consumo de carne aumentou a ponto de fazer diferença. A proteína necessária ao ser humano finalmente chegando às mesas até mais humildes, quando tudo ficou mais acessível. Iogurte, que era artigo de luxo, ficou corriqueiro. A casa própria, que antes parecia mais difícil do que se fosse em Marte, ficou ao alcance do esforço exequível.
Parecia impossível, mas vencemos. Houve quem vislumbrasse o caminho, quem facilitasse as condições, quem executasse, quem esclarecesse, e até quem atrapalhasse, mas chegamos lá. Dizem que o ser humano é capaz de se adaptar a (quase) tudo. E, no caso da inflação, fomos habituados como o sapo, na panela com água fria, que vai se aquecendo aos poucos. Muito devagar, as garantias que nos davam segurança foram caindo. Quando percebemos, já havia pouco a que nos agarrarmos. Não morremos cozidos; conseguimos sair. Resta-nos a lição e a esperança de alguma sabedoria. Sempre é hora de usar.
Ana Maria Leal Salvador Vilanova é engenheira civil, cinéfila, ailurófila e adepta da caminhada nórdica. AnaMariaLSVilanova@gmail.com